quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A história de Heitor



A história de Heitor - Capítulo IV

A região em que Mercúrio, Lorena e os filhotes viviam era habitada por vários lobos, dentro de territórios escolhidos e demarcados, nessa época reunidos em clãs, pois era o período de reprodução. Mercúrio percorria longas distâncias à procura de comida; ele era um hábil caçador, também muito elegante e altivo, capaz de avistar suas presas de longe. Como todos os de sua raça, tinha as pernas longas e um caminhar ondulante, porque mexia as duas patas de cada lado ao mesmo tempo; primeiro as duas de um lado e depois as duas do outro; muito diferente do andar dos outros animais que mexem as patas de forma alternada. Naquele dia de começo de primavera, Mercúrio havia subido no alto de um cupinzeiro de quase dois metros. Queria enxergar mais longe a savana abaixo, para poder vasculhar melhor seu território de caça. Decerto ele encontraria alimento, mas já não era tão fácil, principalmente com as secas prolongadas. Ele chamara Heitor para acompanhá-lo, mas o filhote não o seguiu; preferiu ficar ali perto do rio, com as brincadeiras habituais.
– Ainda não está pronto – pensou Mercúrio – mas da próxima vez os três virão comigo!

Foi nesse momento mesmo que avistou uma codorna. Deu um salto, com as duas patas da frente dobradas, prendeu a codorna contra o chão e devorou-a inteira, ali mesmo; há três dias não se alimentava.
Em seguida saiu a procurar outra caça para levar para os filhotes...
Quando chegou, já estava escuro e foi a vez dos filhotes refestelarem-se. Lorena saiu para caçar ali por perto; ainda não se afastava muito de suas crias. Quando amanheceu, todos dormitavam entre as palhas do capim.

Começara a esquentar e o clã estava perto do rio, numa região do cerrado que ficava mais perto do campo aberto, longe da mata. 
O capim estava cada vez mais seco e o calor, mais forte. A árvore onde Samantha costumava ficar estava com poucas folhas. Ela deslizava para o chão, logo cedo, e descia para as margens do rio. Algumas vezes entrava na água para caçar e se refrescar. No seu caminho, passava pela toca de Lorena, mas a loba estava sempre atenta; ela tinha poucas chances com os filhotes, que já estavam grandinhos e cada vez mais espertos, preparados para se defender.
Tudo que se via era terra ressecada, alguns grupos de árvores tortas e o capim da savana, também amarelado, onde um lobo poderia esconder-se, misturar a cor da pelagem com a do capim, mas onde o alimento era cada vez mais raro. Àquela altura, muitos animais passavam a maior parte do tempo refugiados na mata, onde ainda havia sombra e frescor. No solo inerte, porém, a vida apenas dormia, à espera das primeiras chuvas.

Rio acima, a família de lavradores, um casal com quatro crianças, também sofria com o calor. No quintal da casa, havia um balanço,numa das poucas árvores frondosas que oferecia sombra.
 Ali, as crianças brincavam até não aguentar mais o calor e a poeira. Então desciam para as margens do rio, entravam na água de roupa e tudo, para um banho gostoso e refrescante.

Nilza Azzi
A escritora Nilza Azzi é associada da AEILIJ regional de São Paulo

3 comentários:

  1. Muito bom texto, com descrições bastantes precisas. Lembra William Faulkner.

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    1. Prezado André Rocha Cândido

      Li o seguinte sobre William Faulkner (Nobel de Literatura): "O drama humano em romances de Faulkner é, então, construído sobre o modelo do drama histórico real (...)". Se é sobre isso que está falando, tem toda a razão. tenho escrito os contos infantis com base em pesquisa e apoio teórico de um ou mais especialistas no assunto abordado. No caso desta história, do biólogo Fernando Magnani, Diretor do Parque Ecológico de São Carlos/ SP. É a pesquisa-ação! Interessante que em nosso meio, histórias desse tipo não sejam consideradas "Literatura" e tenham acesso barrado a concursos, inclusive. Grata pela participação, pelo comentário pertinente e elogio.

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  2. Olá, Antônio!
    Agradeço suas palavras de incentivo e desejo-lhe o mesmo.
    Um abraço,
    Regina Sormani

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