SAIA JUSTA
Nos finais de tarde, eu me sentava com meu pai, "seu" Lano (Hercules Sormani) na varanda da nossa casa, na rua 13 de maio, em Agudos, de frente para o velho e belo coqueiro, estrela maior do quintal. Dali, também podíamos avistar o Grupo Escolar Coronel Leite, onde eu e meus irmãos estudamos. Falávamos sobre pessoas queridas, fatos recentes e de vez em quando, surgiam recordações antigas. Era o meu momento preferido. Certa tarde, enquanto anoitecia e meu pai tirava baforadas do seu cachimbo de estimação, comentei que um primo iria se casar e a festa seria numa fazenda nos arredores da cidade. Meu pai sorriu e começou a relatar, `a sua maneira, pausadamente, os apuros passados muitos anos atrás, quando era jovem e recém-casado.
Certa vez, meu pai foi convidado para almoçar numa fazenda que ficava no distrito de Paulistânia, hoje município, próximo à cidade de Agudos. E lá foi ele, em companhia de um amigo, dirigindo seu pequeno caminhão, pelas estradas de terra. Naquela época, o asfalto ainda não havia chegado por aquelas bandas.
Pra quem não sabe, lá no interior, o sortudo que é convidado pelo dono da fazendas para um almoço, pode se preparar pra comer bem...e muito. A mesa é farta, a bebida é de qualidade, a companhia é agradável e divertida. A música, geralmente, é executada pelos violeiros da região. Todos esses fatores conspiram para que o convidado se empanturre, porque senão, corre o risco de aborrecer o anfitrião. Bem, depois de comer e beber, beber e comer, enquanto o companheiro de viagem ficou à mesa, proseando, "seu" Lano resolveu movimentar as pernas e anunciou que iria dar um passeio pelas redondezas.
- Não vá muito longe - avisou o o fazendeiro. Daqui a pouco vamos servir o café!
E assim, meu pai foi caminhando, admirando a natureza, ouvindo os pássaros e aos poucos, foi se distanciando da casa da fazenda. O sol do início da tarde queimava no lombo e ele olhou ao redor, procurando onde se abrigar. Viu, a poucos metros, uma grande e majestosa jaqueira, já com os frutos despontando e para lá se dirigiu. Sentia-se sonolento pela caminhada, o calor e também pelo excesso de comida. Notou que ao redor da árvore havia cinco pedras de formato arredondado, faiscando ao sol. Sob a jaqueira havia uma boa e convidativa sombra e daí, ele se sentou no chão, encostando-se no tronco da árvore. Fechou os olhos e tirou uma deliciosa soneca. Meia hora depois, despertou, incomodado por um som que parecia um guizo...
- Nossa! Isso tá parecendo guizo de cascavel - falou consigo mesmo, preocupado.
Olhando em volta, constatou que algumas das tais pedras arredondadas e faiscantes haviam mudado de lugar, aproximando-se dele. Meu pai, já livre do sono, firmou a vista e viu, claramente, que havia tirado uma soneca em companhia de cinco cascavéis. Quem sabe, elas também teriam exagerado no almoço e ali estavam, descansando, para fazer a digestão.
Com as pernas trêmulas, "seu"Lano criou coragem e se levantou, lentamente, para não acordar as cascavéis...
Nem é preciso dizer que ele chegou, afobado e apavorado à casa do fazendeiro, que já estava à mesa do café, aguardando pelo convidado. Bem que ele tentou relatar o acontecido... Mas, ninguém quis acreditar e ainda caçoaram dele à moda caipira:
- Conta ôtra, cumpadi! Essa foi demais da conta!
Regina Sormani (Causos agudenses)
Regina Sormani (Causos agudenses)
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