Quem conta um conto dessa vez, é o Alex Gomes, um carioca que tem publicado muitas histórias "da hora". Até no email dele tem fantasia @eraumavez. É o escritor da vez, não fosse plágio diria que ele "é o cara". Vale a pena conferir!
Papa-defunto
Passou o corretivo no rosto para
disfarçar as manchas da pele. O blush
devolveu o jovial tom corado, necessário para o evento que se seguiria. Uma
echarpe colorida cobriu o ferimento no pescoço. Estava pronta.
- O cabelo deve ser
penteado para o outro lado.
Penteou o cabelo para o lado oposto e
deu o serviço por terminado. Fechou o caixão e saiu.
Gilberto tinha um dom. A comunicação
com os desencarnados só ocorria se estivesse próximo aos seus restos mortais.
Uma vez que o corpo era levado, tal ligação era quebrada.
Sua funerária, a Bai-bai Serviços Funerários,
era muito procurada. Tamanho sucesso era compreensível. Gilberto conseguia
fazer com que os mortos ficassem com uma aparência tão boa que parecia até que
eles mesmos se arrumavam, do jeitinho que faziam quando estavam vivos.
“Dê um recado para minha filha...”,
“Nunca gostei desse vestido...”, “Quero ser enterrado com o meu relógio de
ouro...”, “Achei o caixão cafonérrimo...” – Os pedidos eram seguidos à risca. O
pobre homem não tinha tempo para mais nada. Seu dom se transformara em um fardo
pesado demais para ser carregado. Até o dia...
- É você, Gil?
- Silvana? –
perguntou surpreso.
Ela mesma. Deram o primeiro beijo aos
quinze anos. Aos dezesseis os pais de Silvana desapareceram e a jovem acabou
adotada por um casal da capital. Nunca mais se viram.
Naquela manhã, o responsável pelo
necrotério do município lhe pediu que preparasse um corpo não reclamado que
seria enterrado como indigente. Quem poderia imaginar?
- Meu Deus, Silvana,
o que aconteceu contigo? – perguntou desolado.
- Ai, Gil! Minha vida foi tão confusa.
Meus pais adotivos faleceram há alguns anos e fiquei sozinha. Sinto que busquei
nosso amor juvenil em cada homem que tive. Quando vi que nunca te substituiria,
larguei tudo e voltei. Assim que entrei com o carro no nosso antigo bairro, me
desviei de um cachorro e caí no canal – respondeu a moça aos prantos. – Que
desgraça!
Foi só então que ela se deu conta do
que estava acontecendo.
- Espera aí! Como você pode estar
falando comigo? Afinal eu morri ou não morri?
- Infelizmente sim – respondeu enquanto
acariciava seu rosto machucado. - Daqui a pouco levarão seu corpo e não nos
falaremos mais.
Gilberto explicou seu dom. Depois
contou que passou anos tentando localizá-la. Nunca mais amou outra. Agora uma
ironia do destino os impedia de estarem juntos novamente.
- E se não enterrarmos você? – antes
que ela respondesse, ele continuou. – Ninguém aqui te conhece. Você mesma disse
que não tem vínculos na capital. Posso guardar seu corpo no freezer do porão e
molhar a mão do meu chapa Jurandir, o coveiro, para que ele enterre o caixão
vazio. Assim ficaremos até o dia que eu der meu último suspiro e faremos a
passagem juntos. O que você acha?
Silvana concordou. Por mais que aquele
beijo da juventude nunca pudesse ser repetido, pelo menos teriam a companhia um
do outro por alguns anos.
...
- Quem não tiver pedidos a fazer, pegue
o tíquete preferencial. Fila para idosos aqui na esquerda. Anda gente, que hoje
o Gilberto está super ocupado!
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http://alexandredecastrogomes.blogspot.com.br
Só mesmo você, Alex, para bolar uma história tão...necrofilamente boa! Parabéns!!! Adorei!!!
ResponderExcluirbeijos,
Angela
Rs eu adoro seus textos "darks"!
ResponderExcluirKkkkkkkk... muito bom!
ResponderExcluirAdorei! Parabéns!
ResponderExcluirObrigado, galera! Beijos!
ResponderExcluirEu acho que com o tempo a Silvana foi ficando meio "fria" com o Gilberto... Será que o amor sobreviveu? KKKKK! Adorei!
ResponderExcluirAlex! Apaixonante! (G)Amei! Conta outras do Gilberto na comunicação com os mortos? Seu conto é bem daqueles que, quando termina, a gente fica a imaginar a continuidade da relação dos dois até que façam a passagem juntos. Imaginei por exemplo os papos que ele traria do trabalho para compartilhar com a amada... nossa! que viagem. Muito bom. GÊNIO!
ResponderExcluirGenial, Alex! E tem a sua cara! Muito bom mesmo, adorei!!
ResponderExcluirGostei muito! Ótimo!
ResponderExcluirGrande ideia continuar a história dos dois, na torcida.
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