O QUE CABE EM UMA SALA DE LEITURA ?
( Ainda a propósito dos 30 anos do programa de Sala de Leitura)
O título deste texto sugere uma pergunta. Ou uma
exclamação. Ou ainda uma afirmação. Será? Pode ser. Ou talvez (não) termine com
reticências... Prefiro esta última alternativa.
Reticências, pensando com os neurônios gramaticais,
indicam “interrupção do discurso, da fala, do pensamento...”. A interrupção,
pensando com os neurônios da Psicologia, nunca é um ato final e, dessa forma,
abre uma janela para o infinito. Assim, o título que melhor cai bem é este: “O
que cabe em uma Sala de Leitura...”
Começo imaginando que em uma Sala de Leitura cabe tudo
o que está do lado de fora de suas paredes.
Como, por exemplo, as perguntas. Muitas delas. Todas
adjetivadas: perguntas incultas, populares, destrambelhadas, malucas, sinceras,
receosas, confusas, objetivas, irônicas, retas e tortas, curtas e secas,
guardadas, escondidas, envergonhadas, cansadas, espertas... E, claro, as
perguntas bestas (qual o problema com a pergunta besta?). Paulo Freire passou
anos nos ensinando sobre a importância das perguntas na educação (e, portanto,
na vida!!). Uma pergunta bem perguntada é metade do caminho para as respostas.
Ou então, uma pergunta bem perguntada, desperta múltiplas respostas, algo que é
sempre melhor do que o pensamento único. Quantas vezes, leitores atentos não se
pegaram perguntando se “Capitu realmente havia traído Bentinho”. Nesse e em
outros tantos casos, as perguntas são mais interessantes do que as possíveis
respostas. Respostam brecam e as perguntas aceleram.
Em uma Sala de Leitura cabem também as formas do
silêncio. Silêncios inquietantes, contemplativos, reflexivos, profundos,
superficiais, amenos, ligeiros, andarilhos, alegóricos, pleonásticos ou...
simplesmente os silêncios mais simples. Nos silêncios, aqueles que começam no
brilho dos olhos e caminham até os nós e apertos do coração, cabem os ditos, os
não ditos, os provérbios, os verbos e os editos. Cabe o desvio das entrelinhas;
cabe o jeito de dizer sim dizendo não; cabe o olhar que pergunta, sem nada
dizer; cabem a voz emudecida vazada de espanto e a voz aquecida pelo calor da
descoberta. E cabe o abraço do encontro, embora o poeta tenha nos alertado dos
tantos desencontros vida afora. Talvez porque deva ser no silêncio que se
constrói a perspectiva do reencontro.
Penso também que em uma Sala de Leitura cabem
fotografias. Fotografias de instantes alegres ou tristes, leves ou pesados, dos
modos de vida descritos pela narrativa ou narrados pela descrição da galeria
das personagens tantas e muitas e todas. Fotografias de fadas que lembram a
realidade; fotografia de monstros que sacodem nosso cotidiano; fotografias de
aventureiros que insistem em mostrar outros caminhos; fotografias de piratas
que sucateiam nossa imaginação nada ousada, de caçadores que fervem corações em
caldeirões desanimados e de bruxas que saqueiam nossas ilusões. Cabe, sem
dúvida, fotografia de anões blindados, menores do que suas microcâmeras
digitais, que nos ensinam que fotografar a realidade, sob qualquer ângulo, é
tão bom quanto fotografar o mais
escondido dos nossos guardados impenetráveis. Revelar fotografias é dar vida à
vida.
Em uma Sala de Leitura, cabem, também e certamente, os
muitos saberes. Desde os populares, estampados nos ditados da boca do povo, até
os mais elaborados. Os saberes poéticos, os saberes filosóficos, os saberes
literários, os saberes corriqueiros. Os saberes que entraram e ficaram em
nossas vidas e os saberes descartados, à espera de outras formas de
significação. Saberes que norteiam rumos e que desnorteiam sentidos; saberes
que oferecem portos de seguranças e saberem que tiram os pés do chão. Saberes
que desvelam a lucidez da emoção e nos põem a caminho da Pasárgada pessoal de
cada um.
Ah, antes que me esqueça, na pressa de acomodar as
amarrações finais desse texto: em uma Sala de Leitura também cabem leitores,
estantes, livros, jornais, revistas, vídeos, CDs, computadores, mesas,
cadeiras... E tudo o mais que o sonho, a vontade e o prazer de fazer a própria
história assim disponibilizarem.
Leitores são a versão mais moderna de encantadores do
mundo.
Sampa, abril de 2013
Sampa, abril de 2013
Edson Gabriel Garcia
Escritor e Educador
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