PÉ DE MEIA LITERÁRIO
A dupla formação do
educador: leitor e mediador
Há muitas relações
entre a escola e a leitura e a literatura. Qualquer análise breve dessa relação
será sempre uma análise parcial e incompleta, tantos são os aspectos aí
presentes. Um desses aspectos é a presença do educador como mediador de
leitura, atuação obrigatória por força
do currículo escolar. Sem aprofundar a discussão do que seja e como se
constitui o currículo escolar, cabe lembrar que a escola é o “lócus” por
excelência onde a aprendizagem da leitura, em toda sua amplitude, dar-se-á. Não
é por outra razão que a escola está sempre na berlinda, para o bem e para o
mal, quando falamos e tratamos da leitura e, mais especificamente, da leitura
da literatura. Ousaria afirmar que, na atual conjuntura do país, a escola, com
todos os erros e acertos, é, sem dúvida, a única instituição em que a leitura
se dá por força de sua vocação e da obrigatoriedade curricular. Se isso é bom
ou ruim, se está bem ou mal, a história é outra.
Por conta disso,
vale uma conversinha sobre a presença do educador nessa história. E a conversa começa com a afirmação de que a
sua estrada, no sentido de ensinar os alunos e alunas a leitura e o gosto pela
leitura, tem mão dupla: ao mesmo tempo em que vai se desenvolvendo como leitor,
aprende e repassa o que aprendeu na formação de outros leitores. De um lado
caminha o leitor e do outro lado caminha o mediador. Aprendendo a ler, o
educador vai se fazendo leitor; descobrindo os caminhos da mediação, vai se
fazendo um mediador. Um determinando o outro.
Como leitor, o
educador vai acumulando experiência de saborear textos, de encontrar saberes
guardados, de lidar com o desejo e com a escolha. Sobretudo, o educador vai se
fazendo leitor descobrindo o convite ao prazer da aprendizagem que todo texto
faz, desenvolvendo comportamentos de leitor: ver, vasculhar, procurar,
escolher, sentir, projetar planos de leitura, tecer a sua história de leitura,
ler, rascunhar ideias, comparar, anotar, gostar, fazer sentidos, guardar
saberes, acumular sentidos da paixão, etc.
Como mediador, o
educador vai encontrando caminhos, formas e jeitos de se colocar entre o leitor
aprendiz e o texto. Primeiro, bem perto, bem próximo, quase no meio, entre o
leitor e o texto, de forma a sentir a respiração do aprendiz em seus contatos
com o texto. Depois, ligeiramente mais distante, mas ainda quase ao lado,
ouvindo o compasso dos olhos do leitor aprendiz. Finalmente, distante, ausente,
mas ainda próximo, acompanha a precisão do tato na escolha feita pelo leitor,
agora mais do que um aprendiz, do próprio caminho no diálogo com o texto. E vai
desenvolvendo comportamentos de mediador: criar a presença ausente, desenvolver
o olhar de apoio, querer projetar planos
de ação, pensar a leitura no coletivo da escola, lidar com escolhas e
indicações, naquilo que elas têm de ações fluidas, participar de outros
projetos, ser um sujeito ativo da escolha do seu jeito de trabalho e do acervo
de trabalho.
Em ambas as vias da
estrada de mão dupla, escolher o livro e o acervo, seja da sua história como
leitor, seja da sua história como mediador, é determinante. Impossível pensar a
escola, o leitor e o mediador sem pensar sua atuação como personagem que pensa
o seu método de trabalho e o objeto do seu trabalho e prazer.
Na vida é assim: a
gente aprende e ensina. Aprende com quem já sabe um pouco e ensina quem sabe
outro pouco. Aprende com o colega educador do lado, com o recado no mural, com
a página marcada do texto lido antes por alguém, aprende com o jogo de olhares
dos aprendizes. E aprende consigo próprio. Além de aprender, o educador, leitor
e mediador, ensina quem sabe pouco e
quem sabe muito. Sabendo pouco ou muito, sempre há espaço para aprender com
alguém por perto. Quem ainda não percebeu essa condição da vida, precisa pensar
sobre isso. Quem acha que sabe tudo, sabe pouco. Quem acha que sabe pouco, está
pronto para aprender muito. E vai descobrindo, aprendendo, prestando atenção,
ensinando, tomando cuidado. De repente, pensa que está aprendendo, mas está mesmo
é ensinando. E quando pensa que está ensinando, ah! está mesmo é aprendendo.
Aprender e ensinar.
Ser leitor e mediador ao mesmo tempo solicita ao educador carinho pelo texto,
olhar de curiosidade, persistência e paciência na acomodação constante dos novos
sentidos. Solicita ouvidos atentos para a diversidade e pluralidade e demanda
amorosidade na dose certa para acompanhar perguntas, dúvidas e indecisões.
Para encerrar esse
dedo de prosa, fica um mote para você refletir, na esteira do pensamento pra lá
de conhecido de Guimarães Rosa, que escreveu e disse, por entre sertões e
veredas “mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”:
educador mesmo é aquele que se faz leitor e se dispõe à mediação.
EDSON GABRIEL GARCIA
(educador, escritor
e leitor nas muitas horas quase sempre vagas)
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