REMOVER SIM, REMOER NÃO!
Ao
encontrar um amigo, Rospo observa seu semblante cabisbaixo e para
romper a mudez arrisca um diálogo.
—O
que está acontecendo, amigo?
—Tudo
anda difícil. Não consigo nem pensar direito. São tantas as
dificuldades...
—Sei,
está remoendo.
—E
deveria fazer outra coisa?
—Sim,
tem sapo que neste mesmo instante está removendo.
—Remoendo,
removendo. Aprecia brincar com as palavras, não é, meu amigo?
—Remover
é mover novamente, mas também é um remo que movimenta o olhar.
Remover pode ser remar a visão. Remover pode ser desentulhar a
mente.
—Lembra
do que me disse em nosso último encontro?
—Perfeitamente.
Nos despedimos sob José
Ortega y Gasset...
—"Eu
sou eu e minhas circunstâncias", vive a repetir isso, Rospo.
—Considero
interessante. Mas compreendo também que a serenidade socrática nem
sempre é possível. De qualquer forma, quero que saiba que entre se
pôr a remoer e a remover, melhor sempre optar pela segunda.
—Falar
sempre é mais fácil.
—Nem
sempre. Às vezes, falar é o mais difícil.
—Rospo,
passei a vida inteira ornando o meu ser, e agora, estou numa
indecisão tremenda. Todo desesperado.
—Num
certo momento, de nada adianta emplumar-se a alma, quer dizer, de
nada adiantam solenidades. O que importa para o ser são os cuidados.
Se você descuidou-se de si, não viverá o apogeu da alegria.
—Rospo,
seja mais claro. Excesso de leitura deu nisso?
—Ao
contrário. A leitura torna o ser mais claro, mais objetivo, mais
nítido...
—E
por qual motivo então do lado de dentro do muro tantos se tornam
cada vez mais labirínticos, mais complicados, com o pensamento mais
rebuscado, mais enigmático? Seria excesso de prevenção? Seria uma
espécie de égide? Um escudo usado para se preservar da "ganância"
popular em se adentrar no mundo da Filosofia?
—Meu
amigo, você está de bem com a vida, só não se deu conta. O que
significa que está na hora de remover os entulhos que tanto o
incomodam.
—Sabe,
Rospo, talvez eu necessite do amparo da solidariedade dos amigos.
—Será
que esse amparo, no seu caso, não seria por acaso, um sentimento
gerador de pena comunitária? Às vezes a tristeza é tão atraente!
Frequentemente o fracasso é regozijo da alma alheia. Deve ter
reparado o quanto é difícil para a maioria aplaudir o sucesso de
alguém próximo? Se você se mostrar remoído, certamente despertará
paixões improdutivas...
—É
muito para a minha cabeça, Rospo. Deixe-me aqui remoendo. Isso me
causa um certo conforto.
—Pois
então que continue a viver confortavelmente. Cá eu tentei
removê-lo, mas parece que a argumentação está encontrando
bloqueios sedimentados. Tchau, meu querido.
No
caminho, Rospo encontra a velha amiga.
—Sabapela!
—Rospo! Agora meu coração sabadoficou.
—Rospo! Agora meu coração sabadoficou.
—É?
—Não
está vendo? Sabadofiquei-me. Veja como estou alegre.
—Para
onde vai, amiga?
—Vou à padaria Rubi, comprar o pão nosso...
—Vou à padaria Rubi, comprar o pão nosso...
—Sorvete?
—Viva!
O sábado começou! Venha comigo.
—Como
estão as dificuldades, querida?
—Clamando
para serem removidas, meu amigo.
—E como se faz isso, minha bela?
—Enfrentando-as;
—Ás vezes as dificuldades são tão poderosas e imensas que parecem até deusas.
—E daí? Sou uma titânide.
—E como se faz isso, minha bela?
—Enfrentando-as;
—Ás vezes as dificuldades são tão poderosas e imensas que parecem até deusas.
—E daí? Sou uma titânide.
—Yupiiii!
MV
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