O MAQUINISTA E A FLOR GIGANTE
Tá vendo aquele homem que vai subindo,
moço? Aquele de boné e paletó. Isso! Ele mesmo. Não tira o boné de jeito
nenhum. Acho até que toma banho de chuveiro com boné e tudo.
É o boné de quando ele era
ferroviário, antes de enlouquecer. Isso mesmo! É ele a quem chamam de “Velho
Louco”. É que o senhor é novo aqui na cidade, não conhece as histórias. Mas
essa eu conto.
Desde que ele se aposentou, veio morar
aqui, em Paranapiacaba. Ninguém liga para ele. Fica o dia inteiro zanzando. Às
vezes fica bravo se os moleques provocam. Sabe como é moleque, não é? Gosta de
debochar, arrumar confusão. E vira e mexe estão atazanando o pobre.
Sim, ele era ferroviário. Fazia a
linha Santos-Jundiaí. Era uma delícia, seu moço. Eu não, nunca viajei de trem
nessa linha, mas o meu pai contava, sempre, na hora do almoço. Quando eu era
bem menininho até me lembro que segurava a mão do meu pai na estação do Brás.
Mas não lembro direito.
Por que ele enlouqueceu? Essa demência
eu conto, moço. Ele era maquinista, já disse, no tempo da Maria Fumaça, e numa
tarde subia a serra quando avistou a enorme flor azulada. A flor mais imensa do
mundo. Pouca gente viu. E quando alguém conta ninguém acredita. Mas ele jura
que viu, e até hoje repete essa história maluca.
Diz que a flor é uma menina que
desapareceu lá no Saboó, sabe onde isso é? Em Santos. É um bairro pequeno,
rodeado de morros. Tem lá um cemitério chamado Cemitério da Filosofia. Sei não,
moço, nem tenho ideia. Tem que perguntar para aquela gente de lá, os antigos,
eu acho. Só sei que é esse o nome do cemitério.
Essa menina, dizem, corria feliz
naquele lugar, e um dia desapareceu. Foi o alvoroço nas mesas de bilhar. No
porto só se falou nisso. Ficou assim um tempão. Só se falava nela. Então o
maquinista viu a imensa flor azul na serra e enlouqueceu. É o que contam, moço.
Não sei contar mais. Minha mãe também
sempre falava desse caso. A menina era muito querida por todos. Era assim
naquele tempo, lá no Saboó. Toda criança era como se fosse filho de cada morador,
por isso foi um sofrimento danado, nas docas, nos morros, no matadouro. E era
uma época de carnaval. Mãe dizia, tenho não, ela morreu. Perdi minha mãe logo
cedo. Então, ela dizia que os bailes de carnaval foram todos tristes. Não cabia
mais tristeza nos confetes e nas serpentinas. Minha tia Elenice, que sempre que
era fevereiro ficava o mês inteiro fantasiada, naquele ano até esqueceu da
ilusão. Ninguém podia se conformar, moço. O povo de lá comeu o feijão preto
mais melancólico do mundo. Nada fazia aquelas pessoas voltarem a sorrir.
Quando o ferroviário chegou contando a
história da flor azul gigante, ninguém quis dar ouvidos. E foi naqueles dias
que ele adquiriu o costume de falar sozinho. Diz que é isso que enlouquece.
Veja! Ele sumiu na poeira. Está já
misturado naquela fumaça azulada do horizonte.
Acho que toda cidade tem o seu
personagem, não é? Aqui é ele, o ferroviário aposentado, o homem louco que viu
a flor gigante na serra.
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Olá, pessoal!!!
Conto que te conto, página criada por Marciano Vasques está aberta à participação de todos. Peço que me enviem contos curtos, de uma lauda. Obrigada.
Parabéns Marciano!
Bjs da Regina Sormani
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