A ARTE NÃO SE COMPRA
—Estou
muito feliz por você ter aceito o meu convite, Sapabela. Faz tempo
não vinha ao museu.
—Eu
também estou feliz, Rospo. Recentemente, me pus a pensar no preço
que pagam por telas clássicas...
—Curioso
isso, Sapabela.
—O
que tem de curioso? Quem tem dinheiro pode adornar a sua morada com
coleções de arte...
—Isso
não me parece simples, de imediato.
—Rospo,
eu o conheço. Diga o que está pensando.
—Concordo.
—Se
a arte não tem preço, não pode ser comprada.
—Parece
lógico.
—O
que não pode ser comprado não pertence a ninguém. E não será
mercadológico.
—Óbvio.
E gosta de rimar a minha conversa.
—Então,
ninguém pode ser dono da arte.
—O
que é de ninguém é de todos.
—O
mesmo se diz sobre a literatura e a poesia.
—E
até uma cantiga de criança.
—Naturalmente.
—Se
a arte é de todos, ela é do mundo. A Arte está em toda parte.
—A
árvore é do mundo, e tudo que nele está, virou mercadoria. É a
lei da sobrevivência.
—Correto.
No caso da árvore, temos para com ela uma gratidão infinita.
—Temos?
—Filosoficamente
sim. Mas ninguém se lembra da árvore quando risca um palito de
fósforo ou se senta à mesa para jantar... Ou leva o chocalho ao
bebê no berço...
—Entendo,
mas qual é a questão, Rospo? Árvore é árvore, e Arte é Arte.
—Eis
a grande diferença, o grande mistério.
—Diga
mais.
—A
árvore foi “civilizada”, ou seja, ela se tornou benéfica para o
sapo e então, foi transformada em coisas que já não eram mais
árvores, porém estava lá cumprindo o seu ritual de servir, de
propiciar conforto... Separou-se, quer dizer, foi separada da
comunhão.
—Tudo
bem, mas assim como a árvore, também a arte nasce e vive para
trazer felicidade ao sapo... Assim como a poesia, a literatura. São
formas da felicidade.
—Mas
em outro plano, Sapabela. No caso da Arte, ela não pode ser
comprada.
—Tem
certeza?
—Quando
alguém compra um livro está comprando o objeto transportador das
letras, o acondicionador...O livro se compra, mas a poesia não, a
literatura não. Elas jamais pertencerão a alguém em particular. A
literatura e a Poesia pertencem ao mundo...
—Entendi.
Pelo menos penso que entendi.
—Como
pode alguém comprar a poesia, se a mesma poesia eu a tenho em mim,
compreendeu?
—Sim,
isso só seria possível se não houvesse um só alguém que
memorizasse um poema, que o preservasse em sua memória, que
introjetasse o poema em si. Milhares de seres caminham nas calçadas
do mundo levando consigo a poesia... Como vê, poesia e carro são
diferentes. Se alguém compra um livro e o coloca na estante, e o
livro servirá de adorno, esse alguém não tem a poesia em si, ele
tem apenas o objeto, nem poderá se dizer livre, que é o chamado do
livro.
—Do
que fala, Rospo?
—O
livro diz: Livro! Mas só pode de fato garantir a liberdade para a
alma que o transportar em si. Quem compra e tem muitos livros mas não
os abriu jamais, tem algo que não diz nada. Parece complicado, mas
é. Porém, a complicação é apenas a opção do conforto, do não
movimento da mente.
—Sei,
e a Arte...
—Veja
esse quadro. Que coisa bela!
—Ama
a pintura clássica, não é, Rospo?
—Veja
que o quadro está aí na parede, mas é só o objeto transportador,
compreende? Uma reprodução desse quadro poderá estar no
apartamento de alguém.
—Sim?
—Mas
a arte, que se expressou na pintura, como o poderia ter feito na
música. Isso, essa coisa, está além do quadro. Está nas mentes e
nos corações. O que seria a Guérnica, de Picasso, por exemplo, se
tivesse permanecido apenas numa tela?
—Claro,
Ropo! Algo me veio num clarão! A Guernica de Picasso está em mim,
na minha mente, na minha alma, no meu coração. Ela representará
sempre para mim o horror diante da guerra. Mesmo que eu não venha ao
museu, ou não vá ao Google, essa arte que se expressou numa tela,
estará sempre em minha consciência, é tão simples!
—A
simplicidade é a segunda opção, mas requer, clama para sim um
esforço, um grande empreendimento do pensar, que é a dádiva mais
emocionante na vida de um sapo.
—Rospo,
isso se aplica em qualquer Arte.
—Claro,
você pode comprar um Long Play de cantigas de crianças. Mas
as cantigas estarão onde sempre estiveram, no coração das mães
que as cantam e ensinam aos seus pequenos.
—As
professoras, os pais...
—Isso
mesmo, Sapabela! Quem disse que eu posso comprar “O Cravo Brigou
com a Rosa”?
—Pode
não, Rospo. E esse quadro, ou seja, a Arte que nele está emoldurada
eu a levarei comigo, e falarei dela um dia para alguma Sapabelinha.
Tenho até vontade de chorar.
—Mas
não chore. Museu é local de felicidade, de alegria.
—Rospo,
viva a Arte! E quero um riso alto de montanha encantada. Um riso que
será uma gargalhada, que é também uma bonita forma de chorar de
felicidade.
—A
Arte vive, pois não se pertence mais a partir do momento em que
nasceu.
—Já
pensou se tivéssemos que pagar direitos autorais pelo que habita o
meu pensamento, e o meu coração?
—Sapabela,
que alegria estar num museu com uma amiga tão preciosa...
—Rospo,
veja aquelas esculturas!
—Pois
é, elas estão nas calçadas do mundo. Já não se pertencem mais.
Tornaram-se expressões artísticas do mundo.
—Rospo,
sei que sou elegante, mas fico sempre em dúvida: sou a Arte ou uma
obra de arte?
—Você
é arteira.
MV
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