Queridos amigos!
Parabéns e obrigada pela participação.
Um beijo,
Regina Sormani
Perguntas de Stella Maris Rezende para Laura Bergallo
1. Escrever para jovens e não ter
o claro objetivo de ensinar, dar lições de moral, facilitar o
entendimento, escrever sobre coisas que se acredita serem do interesse
deles, ou seja, tudo o que distancia o texto da verdadeira Literatura, que
é transgressão, rompimento com a expectativa, trabalho árduo com a
linguagem, não fazer concessões, lidar com metáforas e elipses,
com entrelinhas ou silêncios carregados de diferentes significados, tudo
isso é um grande desafio para nós. O que pensa sobre essa imensa
dificuldade em fazer Literatura e ao mesmo tempo encantar e seduzir o
leitor jovem?
R - Acho que o maior de todos os
desafios não é exatamente fazer Literatura e ao mesmo tempo encantar o
jovem leitor. Esse é, sem dúvida, um grande desafio, ainda mais nos nossos
tempos de tantos “brinquedinhos” tecnológicos de assimilação bem mais
“fácil” e mais passiva, e de marketing muito mais poderoso. Mas, com
relação a escrever literatura juvenil sem o claro objetivo de ensinar ou
dar lições de moral, na minha opinião o maior desafio, mesmo, é ser capaz
de romper as amarras do “politicamente correto” e ter a coragem e a
ousadia de desafiar padrões estabelecidos pelos editores, por setores
importantes da crítica especializada e por muitos daqueles que, em última
análise, fazem a seleção dos livros que os jovens vão ler (uma vez que,
infelizmente, no Brasil, a literatura para jovens só é
maciçamente consumida através da escola, pública ou privada). Esse é um
desafio realmente complicado, já que quem vai “consumir” o livro não foi
quem o escolheu; são dois públicos distintos, em alguns aspectos até mesmo
opostos. Encaixo aqui um pequeno texto do escritor Mario Vargas Llosa, que
expressa exatamente o que sinto a esse respeito: “A literatura não é
edificante, ela não mostra a vida como ela deveria ser. Ela antes, mais
amiúde, ilumina em suas expressões mais audaciosas, com suas imagens,
fantasias e símbolos, aspectos que, por uma questão de tato, bom, gosto,
higiene moral ou saúde histórica, tratamos de escamotear da vida que
levamos”. Como conciliar essa postura com as “necessidades” de um mercado
(de literatura infanto-juvenil) que precisa “prosperar”? Pergunta
dificílima de ser respondida...
2. Quais são os seus autores
preferidos, entre estrangeiros e brasileiros? Se quiser, diga o motivo da
preferência.
R - Desde que me alfabetizei li
de tudo um pouco. Sempre tive uma imensa curiosidade de conhecer todos os
tipos e estilos literários, de todas as épocas e lugares, sem preconceitos
de nenhuma espécie. Ler, para mim, sempre foi uma viagem, um inigualável
prazer. Assim, entre os clássicos brasileiros, posso citar meu preferido
(que é um lugar- comum, sei bem): Machado de Assis. Entre todos os seus
livros, dois me chamam especial atenção: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”
e “Esaú e Jacó” – duas obras tão diferentes entre si que não saberia responder
o porquê dessa minha preferência. Também gosto demais dos escritores
latino-americanos, com destaque especial para Gabriel Garcia Marquez e
Mario Vargas Llosa. “O Amor nos Tempos do Cólera” (entre outros igualmente
maravilhosos), do primeiro, é um dos mais emocionantes livros que já li, e
se liga muito estreitamente a um período de minha vida do qual sinto
imensa saudade. Do segundo, amo em particular “Pantaleón e as
Visitadoras”, “A Casa Verde” e “Tia Julia e o Escrevinhador”. Finalmente,
não poderia esquecer a autora de livros tão emocionantes quanto “A Casa
dos Espíritos”, “De Amor e de Sombra”, “Eva Luna” e “Paula”: Isabel
Allende, em sua primeira fase (não gosto tanto de suas obras
mais recentes). Quanto aos escritores de países mais longínquos que
me vêm agora à memória, poderia citar Émile Zola, Eça de Queiroz, Kafka,
Milan Kundera, José Saramago, Lewis Carroll e muitos outros por quem me
apaixonei. Lista eclética, não é mesmo? E, como eu disse antes, totalmente
sem preconceitos...
3. O que pensa dos best-sellers?
Vendem muito bem, mas em geral não recebe prêmios literários, não são
considerados Literatura. Existiria um modo de um livro se tornar
best-seller e ser de alta qualidade literária? Poderia citar
alguns exemplos?
R - Também não tenho nenhum
preconceito contra best-sellers, a priori – isso seria uma redundância? Já
li alguns de que gostei bastante, e muitos outros que detestei, me
perguntando como é possível alguém gostar de tamanha porcaria. Como
não especialista (sou amadora) na área de Literatura (tenho formação em
Comunicação Social, sou apenas uma jornalista que escreve livros), posso
somente falar de gosto, de opinião; não me sinto à vontade para fazer
julgamentos técnicos. Entretanto, acho precipitado colocarmos todos os
best-sellers no mesmo saco – o que cai na preferência do público nem
sempre é bom, mas não é necessariamente ruim.
Um exemplo de best-seller que
achei incrivelmente ruim: “A Cabana”, de William P. Young (chega a ser
inacreditável que alguém tenha publicado uma “coisa” dessas). Dois
exemplos de best-sellers de que gostei muito: toda a série Harry Potter e “O
Filho Eterno”, de Cristóvão Tezza.
4. Amo seu livro “Jogo da
Memória”, tanto o texto quanto o projeto gráfico. Ele foi finalista do
Prêmio Brasília de Literatura agora em 2012, quando fiz parte da Comissão
Julgadora. Pode me dizer qual é o seu livro preferido (de sua autoria) e o
porquê?
R - Em primeiro lugar, gostaria de
expressar minha surpresa: realmente não sabia que “Jogo da Memória” foi
finalista do Prêmio Brasília de Literatura. Legal saber... Quanto à
pergunta, ô perguntinha difícil de ser respondida! É mais ou menos como
se alguém perguntasse de qual dos meus filhos eu gosto mais... Posso
tentar escapar pela tangente, dizendo que recentemente tive uma
experiência com a escrita que me trouxe muito prazer: escrever contos. E
de terror. Com tecnologia no meio. Trata-se de meu mais recente livro,
“Cibermistérios e Outros Horrores” (Rocco Jovens Leitores, 2011). Foi
realmente muito divertido escrever esse livro. E com ele descobri que
escrever contos é mais light. É que, quando estou escrevendo uma novela,
fico o tempo todo envolvida, “tomada”, quase “mediunizada”. As ideias vêm
com tanta força e tanta teimosia que não me deixam nem dormir. Um turbilhão
interminável. E isso (embora seja muito bom!) cansa, sabe? Já quando
escrevo um livro de contos posso fazer uns intervalos, entre um conto e
outro, para relaxar da “tensão criativa”. O que me deixa mais zen... e eu adoro
ficar zen!
Rio de Janeiro, 27/6/2012.
cred. (Foto de Ana Lasevicius)
Perguntas de Laura Bergallo para Stella Maris Rezende
1. Você é uma campeã em
premiações e menções honrosas, tendo inclusive um livro (Último Dia de
Brincar, de 1987) entre os Melhores Livros de Literatura Infantil
do Século XX. Mas é também professora, cantora, atriz, artista plástica e
dramaturga – é uma artista completa. Como faz para conciliar tantos
talentos, e ainda ter essa produção literária tão vasta e tão amplamente
aplaudida pela crítica?
R - Desde menina, sempre gostei
de teatro, de ler, escrever, cantar, desenhar, pintar, dar aulas, contar
histórias, encantar as pessoas com palavras e silêncios misteriosos. Já
participei de festivais de música, compondo e cantando. Já fiz televisão,
quando interpretei a Fada Estrelazul do Programa Carrossel na TV
Brasília/Manchete, e a Tia Stella na TV Capital/Record, no final da década
de 1970 e no início da de 1980. Ganhei prêmios como pintora e fiquei muito
conhecida em Brasília, onde morei por mais de 30 anos, principalmente
devido ao sucesso da Fada Estrelazul e dos vários prêmios literários em
nível nacional. Penso que sou muito organizada, metódica, o que me faz ter
tempo para fazer coisas diferentes e ao mesmo tempo interligadas pelo
objetivo único de encantar e emocionar as pessoas. No início, era mais
complicado, porque eu lecionava o dia inteiro e à noite, para pagar as
despesas. Escrevia, lia, desenhava, atuava na televisão e no teatro,
cuidava dos filhos e da casa. Quando me aposentei como professora, tudo se
tornou mais fácil, principalmente agora, que meus filhos são independentes
e eu moro sozinha em Botafogo, de frente para a enseada e o Morro da Urca.
Deixei de lado as artes plásticas, mas sinto que elas continuam no
meu trabalho, ao descrever o cenário de um romance ou a figura de uma
personagem. Nas escolas, ao conversar sobre meus livros, a atriz reaparece,
quando leio um trecho ou um capítulo. Canto um pedacinho de música que
faça parte do texto e isso me traz de volta a cantora que sou e que não
pôde seguir carreira, porque a Literatura sempre foi a minha maior paixão,
o meu maior sonho, a minha vocação mais verdadeira e mais exigente.
2. Nascida em Minas Gerais, você
viveu algum tempo em Brasília e hoje mora no Rio de Janeiro. De que forma
essa vida de certo modo “itinerante” influencia (ou influenciou) sua obra
e seus múltiplos talentos? Para escrever bem é preciso viver bem?
R - Como sou mineira de Dores do
Indaiá, perto da Serra da Saudade, e a mineiridade é impregnada de
inquietude, um tresmodo de ouvir e falar na hora certa, com a palavra que
surpreenda pelo humor, siligristida de sonoridades, ardilosa e tranchã, e por
me chamar Stella Maris que significa estrela-do-mar, sempre me senti
atraída pelo mar. Quando estive no Rio pela primeira vez, aos quinze anos,
disse para mim mesma: eu quero morar nesta cidade. O sonho demorou a ser
realizado, mas como diz a protagonista do meu romance “A mocinha do
Mercado Central”, Globo Livros, “sonhar é uma boa prática”. No final de
2006 comecei a me organizar para mudar para esta cidade que amo cada vez
mais, embora a mineiridade permaneça em mim e seja a matéria-prima do meu
trabalho de escritora. Gosto muito de viajar, conhecer outros lugares e
outros costumes, tudo isso enriquece o meu olhar sobre a condição
humana. Para escrever bem é preciso viver bem, mas viver bem não é só
viajar e conhecer outras pessoas e outros lugares. Machado de Assis é o
nosso maior escritor e pelo que sei quase não viajava, nunca saiu do
Brasil. “Viver bem” é principalmente observar e ouvir muito, ler e reler
livros, prestar atenção em tudo, em cada detalhe, porque qualquer coisa
tem algo a nos dizer, mesmo que seja uma simples xícara com a
asa quebrada.
3. Você desenvolve a oficina
Letras Mágicas, com a qual viaja pelo Brasil e por outros países de língua
portuguesa a convite de escolas, universidades, bibliotecas, centros
culturais, congressos e feiras do livro. Nessas andanças, como tem
sentido a receptividade do público, especialmente o infanto-juvenil, à
leitura e às atividades literárias? Você acha que as novas tecnologias
estão diminuindo (ou podem vir a diminuir) o interesse e o tempo
disponível para os livros? O que sugere a esse respeito?
R - A oficina Letras Mágicas
tem tido uma receptividade maravilhosa, porque trabalho com simplicidade e
provoco nos participantes o encantamento pela palavra e pelo silêncio, a
entrelinha, a pausa, o que não foi dito claramente, o que foi
apenas sugerido. Penso que o ser humano nasceu para a sofisticação, para o
mais bonito e o mais bem-feito. Só precisa ter acesso a boas oportunidades
de fruição estética. As novas tecnologias podem conviver muito bem com o
texto literário, com o livro em papel ou em tablet, não importa. É claro
que o livro em papel ainda vai encantar por muito tempo, é um prazer
especial e mais poético. Meu filho mais velho, que adora
cinema, praticamente só lê
Literatura e Filosofia em tablets, mas isso não diminui o valor artístico
da obra que ele lê. Em resumo, haverá um dia em que o suporte não será o
mais importante e sim a permanência da busca pela beleza da arte. A
Literatura fala por silêncios e cala por palavras. Enquanto isso existir,
existirá boa qualidade literária, e haverá leitores apaixonados por essa
magia delirante da linguagem. Todas as artes são importantes, mas creio
que só o texto literário toca mais profundamente a alma humana, permeia a
perplexidade da existência, estimula a imaginação, o sonho, a
criatividade, a vontade de reinventar o mundo. Lutar por um Brasil Literário,
que era o maior sonho do nosso querido e inesquecível Bartolomeu Campos de
Queiros, pode ser o modo de os livros continuarem a encantar as futuras
gerações. Uma das maneiras de se lutar por um Brasil Literário é o
escritor não abrir mão da boa qualidade literária e ter garra e coragem de
falar sobre a importância dessa arte, ainda que use outras mídias, não
importa, porque ao se tornar leitor de um texto literário, a criança,
o jovem ou o adulto refinou o gosto, aprendeu a exigir mais, está mais
rico em perguntas, questionamentos, sonhos e imaginação.
4. Finalmente, gostaria de
conhecer um pouco de seus planos para o futuro. Quais são seus próximos
projetos, entre livros, vídeos e outras obras?
R - Fiz o roteiro para um
curta-metragem de um dos meus livros e é bem provável que eu atue como
atriz. Além disso, ainda tenho o sonho de gravar um CD com uma velha letra
composta por mim e musicada por Didi Moreno e outras letras com as
melodias compostas pelo meu filho mais novo, Renato de Rezende. Estou
trabalhando em novos romances e contos. Lancei 2 livros em 2011, outros 2
em 2012 e possivelmente lançarei mais 2 em 2013. Mas são textos com
que venho trabalhando há vários anos. Nenhum livro meu demorou menos que 1
ano para ser escrito. Meu processo de escrita é longo e demorado, e como
escrevo dois ou três textos ao mesmo tempo, de vez em quando lanço 2 ou
até 4 num ano só, como aconteceu em 1988, ao ganhar o Prêmio
Bienal Nestlé. Quero continuar gravando vídeos para o Youtube, falando
primeiramente de cada livro meu, do meu fã-clube (jovens de Nova Iguaçu
que conheci no Salão do Livro da FNLIJ em 2009 e se tornaram meus fãs, me
acompanham em todos os lançamentos e me ajudam na divulgação da minha
obra), dos meus tempos de Fada Estrelazul e Tia Stella. Depois, quero
falar de livros de outros autores que admiro, entrevistá-los, trocar
ideias, continuar lutando por um Brasil Literário. O importante é dar asas
à atriz que nunca deixei de ser. A atriz que ama a Literatura, as metáforas,
as elipses, segredos e revelações da misteriosa condição humana.
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