A BENZEDEIRA E O DOUTOR
—Rospo,
veja! Erva Cidreira!
—É
mesmo! Brotando no cimento, na beira da calçada.
—Isso
faz pensar numa pergunta.
—Viva!
—Qual
a diferença entre a benzedeira e o doutor?
—Não
direi que um é representante da cultura popular e o outro, da
cultura acadêmica, científica. Embora, naturalmente, pudesse até
ser uma resposta. Mas você quer alguma coisa além, eu a conheço,
Sapabela.
—Vá
em frente, Rospo.
—A
benzedeira era uma sapa que conhecia o segredo das ervas, das
plantas, das raízes...Ou seja, era alguém integrada com a natureza,
em sintonia com a harmonia das folhas, com os mistérios da
natureza... Vivia numa comunhão absoluta com as forças ancestrais
das seivas da terra.
—E
o doutor?
—É
aquele que é dotado de um diploma acadêmico, e que exerce o seu
conhecimento nos parâmetros científicos.
—Ele
rejeita a sabedoria popular dessas sapas?
—Não
exatamente. Não creio nisso. Veja que lá na creche havia um pé de
dipirona próximo ao portão.
—E
o que tem isso a ver?
—O
doutor até sabe que o conhecimento popular não deve ser desprezado.
Mas ele segue firme na sua sabedoria científica, e é nela que a
Ciência avança, a medicina evolui.
—Muito
bem, mas tem uma coisa interessante, Rospo.
—Diga,
minha amiga.
—Está
no plano da oralidade, onde flui a comunicação de forma mais eficaz
entre os sapos...
—Avance.
—Tanto
a benzedeira quanto o doutor devem olhar em seu rosto e falar com
você, se expressar.
Nem
ela nem ele pode dar a sua receita sem ao menos dialogar. Não é
possível supor que um ou o outro vá tratar de sua doença sem ao
menos lhe dirigir a palavra. Acredito que o começo da cura está na
palavra, nos olhos, e só depois no remédio receitado.
—Sapabela,
o que está exatamente querendo dizer?
—Que
tanto o doutor quanto a benzedeira acumulam e são detentores de um
saber que o leigo não tem.
—E
então?
—Tanto
ela, a curandeira, quanto ele, o cientista, devem ser sempre
solícitos. Devem olhar em seus olhos, e ofertar a palavra, edificar
um diálogo...
—Continue.
—Não
basta uma caneta e um papel para uma receita. A melhor receita começa
no verbo, na alma aberta.
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