NÃO SE TRATA DE NOSTALGIA
—Rospo,
você é saudosista? É nostálgico? Vive em nostalgia?
—De
modo algum...
—Mas
vive valorizando as coisas boas do passado. Para você o passado é
um lugar onde tudo era melhor, era encantador, e maravilhoso.
—Absolutamente
não, Sapabela. Estou adorando essa sua provocação. Ocorre que
recentemente alguém me disse algo assim, que não se trata de
nostalgia: é que os referenciais ainda são muito bons.
—Sei,
quando você fala de Taiguara, do “Espírito -que-anda”, do
Fellini, da Gigliola...
—Gigliola
ainda vive.
—Isso
não importa aqui, pois a referência é a sua voz e as suas
canções...
—Sei.
—Então,
os referenciais ainda são bons?
—Os
melhores, ainda. Então, não se trata de passado, de nostalgia,
mesmo porque nesse caso o tempo é apenas uma ilusão, uma questão
de ótica, compreende? Uma quimera.
—Quimera?
—Sim,
Cronos não atua nessas recordações... Pois elas estão fora do
tempo. Uma canção que nos conquistou pela sua beleza e pela sua
mensagem, que nos foi capaz de invadir o nosso coração, não é de
ontem, não pertence ao passado. Tem sapo que diz, de forma boba, que
tal coisa é do passado. Isso é do Passado, e debocha, e alguns até
leem livro de 2000 anos... O passado não existe para a Arte...
—Certamente.
Mas disse algo curioso: que nem tudo no passado era ou foi encantador
e maravilhoso...
—Bem
sabe, amiga. Em termos mundiais, guerras, e em nosso brejo, muito
sofrimento, a exploração dos operários, os preconceitos contra a
sapa, as injustiças, tanta coisa...Mas tivemos a Arte, como sempre a
teremos...
—E
na sua infância, Rospo? Tudo uma maravilha...
—Sabe
que não, Sapabela, mas tive os meus reforços, os meus apoios, os
meus mecanismos de defesa interior...
—Sempre
fala nisso. Mas já sei, o Flash Gordon o salvou...
—Não
só ele... Mas, também o próprio contato com a natureza, as
folhagens, o velho orvalho deslizando na lisa folha...
—Tem
algo triste que o marcou profundamente? Que tenha causado uma
profunda impressão em seu ser?
—Quando
eu era um sapinho de seis anos, ou cinco... Vi uma cena que me
influenciou para o resto de minha vida...
—Expressão
esquisita essa, meu amigo! O “O resto de minha vida”...
—É,
estranho... Pois é, algo me causou a mais viva impressão...
—Se
não quiser falar...
—Vi
um cavalo deitado no chão, sendo chicoteado até...
—Não
precisa falar mais, Rospo. Pare! Não quero chorar. Mas é incrível
essa coisa que você diz de que tinha os seus recursos...
—Maravilhosos,
Sapabela. Uma contadora de histórias... Sim, tive uma em casa, os
quintais, tudo contribuindo para a prolongação de meu trapiche
interior... Para a proteção de minha infância...
—Rospo,
podemos dizer que o que era bom ainda é bom, mesmo que a geração
atual desconheça?...
—Em
nossos dias tão refinados de informação, o desconhecimento é um
assombro...
—Deveríamos
voltar à época do espanto?
—Sim,
espanto no sentido de encanto... Hoje, coisas extraordinária
acontecem, mas o encanto não se mobiliza, não se torna forte, real,
autêntico. Ele se dissolve no ar... Morre na praia do coração.
—Rospo,
então vamos viver o presente intensamente, mas com as coisas que
sempre nos comoveram...
—Esse
é o caminho, e também compartilhando o que hoje se faz importante
no coração...
—Considera
que a Rede Social é mesmo a sinalização de um novo tempo?
—Claro,
eu posso estar na Rede Social com os espíritos mais encantadores do
mundo hoje...A Rede Social, eu já disse, depende de cada um.
—Disse
bem. Rospo, a conversa está boa mas não está regada.
—Regada?
—É, um licorzinho, você sabe...
—É, um licorzinho, você sabe...
—Demorou!
—Não
fez o Yupiiii!
—Não
fiz?
—É...
Consegue fazer baixinho?
—Yupiiii!
—Isso
é baixinho, Rospo?
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