A GRANDE QUADRILHA
Lá
ia o Rospo, braços agitados, correndo pela praça, quando foi
avistado pela velha amiga:
—O
que aconteceu, meu caro amigo? Está apreensivo... Posso ajudar?...
—Só
de ouvir sua voz, Sapabela, já me sinto amparado.
—Mas
o que o aflige, meu sapo?
—A
quadrilha, a grande quadrilha...
—Que
quadrilha?
—Roubou
o tempo, o tempo precioso...
—Sem
pleonasmo, meu querido. Assim como o amor é sempre grande, o tempo é
sempre precioso...
—A
quadrilha o roubou...
—Que
quadrilha roubou o seu tempo, meu amigo?
—O
meu não, o tempo da multidão...
—Vamos
com calma. A multidão anda tão ordeira, que parece em nada ter sido
“surrupiada”...
—Pois
foi mesmo roubada, Sapabela! Essa quadrilha é implacável...
—Que
quadrilha é essa, Rospo?
—Seus
membros, os piratas da vida...
—Que
piratas da vida?
—A
vida anda sendo pirateada... Às vezes um glamour nada mais é do que
a ausência de clamor.
—Rospo,
assim me pego de poesia...
—Essa
quadrilha está dispersa, em todos os cantos e nos recantos, que são
os supostos aconchegos requentados...
—Muito
bem, como o sapo simplesmente nasceu para o requinte deveria recusar
o requentado, que é a vida sem autenticidade...Mas, fale mais um
pouquinho dessa quadrilha...
—Falarei
de seus comparsas...
—Estou
esperando.
—Só
um pouquinho de alento, Sapabela.
—Claro,
veio correndo agitado, todo apavorado...
—Seus
membros são: o excesso de televisão.
—Que
mais?
—As
conversas infrutíferas, as flores banais do cotidiano, os
desentendimentos trazendo atritos improdutíveis, inférteis...
—Tem
atrito fértil?
—A
vida é atrito, o universo, o amor...
—Sei,
mas...o que seria um atrito infértil?...
—Indelicadezas,
pirraças, invejas, ciumes...
—Engraçado,
Rospo... Quando tomo conhecimento de que alguma colega está com
inveja ou ciume de alguma conquista, alguma vitória minha, sempre
fruto da minha luta, fruto, e não furto, pois às vezes somos
furtados em nossos melhores sentimentos. Pois bem, quando sei que
despertei ciumes ou inveja, comemoro...
—Comemora?
—Sim,
faço um bolo de cenoura, e vivo esse momento tão gostoso na casa
onde moro... Festejo, em mim, o fato de provocar ciúmes, inveja...
—Muito
bem, mas não se esqueça: Quando for comemorar a inveja de alguma
amiga, convide-se.
—Convide-se?
—Sim,
isso quer dizer, convide-me. Assim, reforça duplamente a sua
alegria, pois estarei ao seu lado...
—Amigo,
isso é papo de “paixão por bolo de cenoura”...
— Pois
bem sabe, adoro bolo de cenoura...
—Então,
Rospo, entendi essa sua quadrilha...
—É
isso mesmo! A quadrilha composta dos mais terríveis malfeitores, que
são as piadas preconceituosas, as conversas infrutíferas, as
agressões, as indelicadezas, os temores, a falta de iniciativa, o
marasmo, a rotina... Tudo a nos roubar o tempo, pois, se não sabe, o
tempo que se perde jamais se recupera...
—Rospo,
qual o primeiro passo para se livrar dessa grande quadrilha?
—Uma
vassoura para retirar os entulhos da mente, varrer a mente, deixar a
“alma” bem limpa, transparente, se for necessário, um
esfregão...
—Sei,
ler um bom livro, ouvir uma boa música...
—O
passo seguinte é disciplinar o seu querer.... Pois o querer está a
nos piscar, basta ter a “boa vontade”. De posse desse querer, da
consciência de que se quer o que é bom, basta então, agir em
retidão, e viver intensamente, poder dormir num travesseiro de
macela. Um travesseiro, eis a grande travessura dos que vivem o dia
em sua pureza.
—Rospo,
faz tempo não o convido, vamos tomar um licor de anis?... E... um
sorvete de …
—Yupiiii!
—Não tem outra forma de dizer que aceita? Esse Yupiiii! é muito escandaloso. Todos estão nos olhando...
—Não tem outra forma de dizer que aceita? Esse Yupiiii! é muito escandaloso. Todos estão nos olhando...
—Sapabela,
como é bom conversar com você.
—Antídoto
para enfrentar quadrilha que rouba o tempo, não é?
MV
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