quarta-feira, 27 de outubro de 2010

QUINTAS - 32

SÃO PAULO DE TODOS OS DESTINOS
 
Mereces um brinde, campeã. Difícil andar nas tuas calçadas, quase não há mais espaços. É a economia informal.

Nunca se sabe ao certo quantos discos um cantor vendeu, pois a indústria não contabiliza a venda em camelôs. Os sulcos nos rostos dos que fazem a tua história são as marcas dos teus caminhos de carvão, diesel e néon.
O Anhangabaú das tuas lavadeiras de outrora está lindo. As águas das tuas chuvas transbordam e as águas de março são os tons do Tom que partiu.
Adoniran seria a palavra da tua saudade, quando os demônios cantavam na tua garoa. Mas, como a chuva renova a vida, a garoa se foi. E veio a poluição, e os teus poetas em silêncio. Alguns projetam sobre o concreto o laser azul da poesia que salpicas na insensatez da tua correria. Tua Light virou shopping, teu Municipal é lindo, tuas ferrovias, e vias teu carnaval deixando os salões...
Hoje os jovens das tuas galerias partem para o Rio. O Festival chamado Rock in Rio foi a atração do teu primeiro janeiro do século.
A periferia festeja noivados e batizados. Nos varais, o colorido do teu povo pobre e nas ruas a alegria se dissolve na poeira. Nas favelas os templos surgem e a fé se alastra em rezas e súplicas. Moços e velhos choram seus mortos e buscam esperanças nas nuvens, enquanto teus internautas procuram amigos virtuais.
Neste janeiro não vi o teu índio Chiquinho dançando com as castanholas no calçadão da Piratininga, mas numa livraria folheei Mário de Andrade. São Paulo de tantos poetas, onde estás nas tardes que se fecham diante da Tv?
Gosto de passear em ti quando é sábado de manhã, descobrir pouco a pouco um detalhe que não havia reparado, um restaurante, um sebo, uma ladeira, um edifício...
Feliz aniversário, querida. Teus paralelepípedos têm a alma de cronista; tua catedral, teus namorados na Paulista, teus universitários, tua violência assustadora...
Queria ser assim tão baiano que só quando cruza a Ipiranga com a São João e Santo Antonio e São Pedro e todos os santos ausentes nas tuas raras fogueiras, nas tuas juninas que se refugiam e sobrevivem nas quermesses...
Eu te amo, mesmo que não tenhas a calma de uma Pindamonhangaba. São, São Paulo de Tom Zé, Parabéns!
Você é o mundo inteiro. Basta se andar na tua Liberdade, na tua Bexiga, na tua São Miguel, pra se encontrar os teus japoneses, os teus italianos e os teus nordestinos. E saber que em Sampa, em Sampália, em São Paulo, se tecem todos os destinos.

****
MARCIANO VASQUES





MANUEL FILHO - LANÇAMENTO DO SEU NOVO CD

Queridos amigos,

Quero convidar a todos para assistirem ao show de lançamento do meu novo CD, "Raízes" .

O show terá única apresentação na sexta-feira dia 05/11 no histórico e sensacional Teatro Oficina (Rua Jaceguai, 520) às 22:00h.


Se não abria a imagem aqui clique no anexo



O repertório do novo disco está bastante interessante e o show ainda conta com participações especialíssimas de Fernanda Gianesella, Rita Braga e Cristina Lemos.

Além de composições próprias, cantarei Noel Rosa, Custódio Mesquita, Fran Papaterra entre outros.



O ingresso custará R$20,00 ou 1 quilo de alimento não perecível que será doado a uma instituição de caridade .

O show está lindíssimo, quero muito contar com a presença de todos.

Aproveite para visitar o meu site www.manuelfilho.com.br



Beijos e abraços e até dia 05 de novembro às 22:00h no Teatro Oficina .


Direção de cena - Flávio Faustinoni

Direção musical - Beto Marsola

Direção de produção - Ana Nero

Designer de luz - Carmine D´amore

Assessoria de imprensa - Iara Filardi

Músicos:

Violão - Beto Marsola

Baixo - Xinho Rodrigues

Teclado - Leandro Neri

Percussão - Bira Azevedo


domingo, 24 de outubro de 2010

Um livro do qual gostei muito

A nuvem que chegou lá

O texto é da escritora Mariluiza Campos, com ilustrações de Lúcia Maria. Foi publicado pela editora Vozes.
Essa história fala sobre uma pequena nuvem que se soltou de um "colchão de nuvens". A princípio, era rala e leve. Aos poucos, foi se arredondando e virou uma bola fofa, como algodão branquinho. Suas irmãs que haviam ficado lá no colchão, preocupadas, chamaram por ela, porém, a pequena nuvem fingiu não ouvir. Estava decidida a viver sozinha, sem ninguém pra pegar no seu pé. Distraiu-se, olhando para baixo, observando uma cidade que se aproximava, com suas praças, carros, chaminés, piscinas, favelas...
Enquanto isso, o colchão de nuvens foi se distanciando dela e, quando percebeu, estava só, no céu azul. Lembrou-se de experiências passadas, do tempo em que era parte de um cirro, pequenas nuvens brancas que ficam bem no alto do espaço. Depois, virou uma nuvem grande que ia mudando de forma. Essas nuvens são os cùmulos, ora castelos, ora bichos, coisa muito interessante. Com saudades, lembrou-se de que suas irmãs nuvens gostavam muito de ser estratos, aquelas nuvens compridas que acompanham o nascer ou pôr do sol. A pequena nuvem entendeu que precisava realizar alguma coisa na vida, e que de nada adiantava ficar rolando sozinha pelo céu. Resolveu procurar companhia e viajou, viajou, até avistar os grandes nimbos, nuvens que vão se transformar em chuva. Foi recebida com alegria e integrou o grupo das novas companheiras. Durante sua viagem pelo céu, a pequena nuvem tinha escurecido e crescido, portanto, já estava pronta para virar chuva. Ouviu-se um forte estrondo e a seguir formaram-se gotas que se precipitaram sobre a terra. Aí, sim, a nuvem sentiu que estava cumprindo sua missão e isto deixou-a muito, muito feliz.

A escritora Mariluiza Campos é associada da regional SP
email: mariluizacam@terra.com.br

Abraço grande a todos.
Regina Sormani

Lua Africana




Olá, pessoal!

O cartão acima se refere à participação do caro amigo, associado da regional SP, o escritor Marciano Vasques no "Valeu Professor"
Parabéns, Marciano.

Um grande abraço,
Regina Sormani

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

QUINTAS - 31

A RESISTÊNCIA DAS CANTIGAS
“Se essa rua fosse delas...” – pensei, ao ver tanto asfalto e carros, e então meus olhos se voltaram para um bosque chamado Solidão e vi, além dele, crianças brincando e cantando as mesmas cantigas – o folclore vivo pulsando nas rodas, nas cirandas e em cada coração infantil. Politicamente corretas? Nem sempre? De vez em quando, poderíamos repousar o nosso olhar suavemente.
Cantigas, provérbios, parlendas, ditados e quadrinhas populares atravessam o tempo e no universo infantil bravamente resistem.
Crianças adormecem com as mesmas cantigas de ninar que outras mães cantavam, e numa noite já tão distante uma voz suave penetrava em minha febre e tentava docemente convencer o menino que era melhor dormir por causa do boi, boi, boi, boi da cara preta, e a cuca, que a qualquer momento poderiam chegar.
Folclore querido, crianças brincam por este Brasil afora cantando as mesmas eternas cantigas populares como “Escravos de Jó/Jogavam Caxangá...”.
Um dia, debaixo de uma sacada, o cravo brigou com a rosa. Essa comovente briga de amor resiste aos tempos da mesma forma que a canoa virou por culpa de alguma criança que não soube remar.
Impressiona como as transformações promovidas pela mídia não afetam o rico folclore infantil, que não se contamina pela modernidade nem sofre as interferências do pensamento contemporâneo. Como explicar? Será que a alma da criança tem insondáveis segredos?
Sim, a alma infantil resiste através das suas cantigas e como é uma alma específica não adianta a modernidade tentar modificá-la. Tudo que a fantasia comercial cria torna-se passageiro, tudo que parecer truque, todas as criações que objetivam apenas lucrar com o mundo da criança, não passam de coisas efêmeras, porque só o que é misteriosamente puro, como um conto de fadas, resiste, num folclore indelével, força que não esvanece. 


MARCIANO VASQUES

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Convite Valeu Professor!




Parabéns, querido Marciano. Você realmente merece!
Forte abraço,
Regina Sormani

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Pé de Meia Literário - 13 -

Qual é a sua?

Conversa vai, conversa vem, dia dos professores, dias crianças, dia da leitura... fiquei pensando com meus botões sobre “leitores”. Nós, profissionais do livro e da leitura, estamos sempre falando de leitores, da sua formação, do seu comportamento. Vivemos uma época em que adoramos classificar pessoas. Pra não fugir da regra, e aproveitar esse breve momento de reflexão, segue abaixo uma listinha comportada com alguns tipos de leitor. Leia e tente enquadrar-se. Ou não.
Leitor diet: aquele que só gosta de livros até quarenta páginas, revistas cheias de ilustrações e textos com cinco mil caracteres, no máximo. Lê pouquíssimo, pois acredita cegamente que ler engorda a imaginaçao.
Leitor gelatina: aquele que não pega nada firme, escorrega, contorna. Está sempre perdido entre uma coisa e outra, entre isto ou aquilo, entre lá e cá, entre a prosa e a poesia.
Leitor obeso: lê tudo que cai na sua mão, de bula de remédio a folhetins de banca de jornal, passando por artigos científicos que descrevem as últimas descobertas da nanotecnologia. Devora tudo, sem perder tempo com apreciação de sabor, texto, formato. Peca por falta de crítica.
Leitor classe A: fino, delicado, inspirado. Escolhe o que vai ler, como quem escolhe o cardápio da festa de casamento. Quer ter os detalhes todos na mão. Tem rituais para a leitura. Acredita cegamente que a leitura purifica a alma. Odeia não-leitores.
Leitor desodorante: anda com um livro debaixo do braço. Todo dia, o dia todo. No fim do dia troca o livro. O sovaco e acabeça continuam inalterados.
Leitor anoxérico: passa fome de leitura. Sofre com isso. Mas não quer se tratar, pois pensa que essa é sua sina.
Leitor mix: lê muito e tudo. Gosta de misturar estilos, gêneros e temas. Não tem preconceito e lê literatura info-juvenil, literatura feminina, religiosa, biografias, ensaios, etc. Pensa que a quantidade leva à qualidade e a prática à perfeição.
Para encerrar esse teco de prosa de porta de biblioteca, fica aqui uma sugestão: “ se você não se encaixou em nenhum desses tipos, não se faça de recatado; pegue uma caneta e crie a sua lista, ou o seu tipo.”
Será que saber que tipo de leitor somos ou com que tipo de leitores lidamos resolve alguma coisa e ajuda a encher o nosso pé de meia literário? Não sei... mas fica aí o registro.

Edson Gabriel Garcia
(Escritor e Educador)

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

QUINTAS - 30

Talvez esteja o cinema desempenhando uma educação mais arejada. Basta ver o sucesso de alguns filmes. As longas filas repletas de juventude, como acontece com Tropa de Elite-2.
Quisera a escola tivesse a força do cinema. Mas são coisas diferentes! - dirão os que sempre têm palavras parceiras.
 Claro que são. Mas a escola deveria ser diferente da escola, ou seja, deveria acompanhar o tempo. Participar desse processo de educação que envolve o cinema no aconchego dos braços adolescentes.
 Hoje, dia 15, dia do Professor. Dia de professar. Pois bem: queria falar um pouco de um dos parceiros da educação. O cinema.
O cinema nacional? Sim, pode ser. Tem realmente nos últimos tempos levado à tela da magia alguns filmes que nem deveriam ter entrado em cartaz, mas tem também apresentado coisas boas, de nível excelente, com técnica pronta para competir em mercados internacionais, só para um trânsito rápido em outra esfera. Que música gloriosa é o cinema! Muito bem.
Se o Brasil tem mesmo que apresentar algum filme para concorrer ao Oscar, quem teve a ideia ridícula de indicar o tal filme sobre o Lula? Mas isso é outro assunto.
O importante aqui é falar um pouco sobre a tal parceria na Educação. O cinema é grandioso, lembro-me de ter lido diversos textos quando surgiu o VHS, e mesmo depois, com o aparecimento do DVD, textos que previram que o cinema morreria. Aposta errada. O cinema não morre. Não morre por causa de sua alma. Um segredo: É a mesma alma do livro. Mas não sabem.
Dá gosto ver a meninada no cinema para assistir ao Tropa de Elite-2? Dá. Favorece o favo do olhar. Faz bem. Ponho-me a pensar nas cópias nos cadernos. Aqui um toque: a juventude é uma flor, uma delicadeza só. É uma explosão calada, torcida, sufocada. Uma explosão de fazeres, de sonhares, de poesia, de mundos. "Aborrecente" é o conformismo, a acomodação, a falta de movimentos, de quereres.
Mundos em colisão, mundos que voam. Viva o cinema! Sim, viva, Tornatore! Viva o cinema nacional? Sim, viva!
Com licença, ó "menino da  porteira", deixe o cinema passar.


MARCIANO VASQUES

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Ding, a grande aventura




Meus amigos queridos,

Retirei um trecho do meu livro "DING, A GRANDE AVENTURA" e postei aqui para que conheçam um pouco da história dessa gotinha aventureira.
O livro foi ilustrado pelo Marchi em aquarela e editado pelas Paulinas.
Forte abraço,

Regina Sormani






A gota assim falou:
— Não foi apenas coragem que me trouxe a este rio.
Não foi só o desafio. Preciso chegar ao mar.
São coisas da natureza que rege toda esta terra.
Mãe natureza não erra.
Disse e já foi pulando. E o rio, passando, passando...
João-de-barro admirado, ficou tão impressionado
Que até filosofou:
— A Ding, tão pequenina, tem um destino infinito:
Ora é nuvem no ceu, ora é água no mar.
E eu pra fazer bonito, vou voltar a trabalhar.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

QUINTAS - 29

O SOL DA LAURINHA


Quando entrei, a classe parecia uma mistura de parque de diversão com aeroporto. Um deles ao reparar a minha chegada espalhou a notícia, que feito rastilho de pólvora se rastejou numa estonteante velocidade, como só podia ser.
- A professora chegou! A professora!...
Em poucos segundos o silêncio foi restabelecido. Crianças são ágeis.
- Hoje a aula será sobre o nosso Sistema Solar. Aproveitando que lá fora está um dia ensolarado, vamos falar sobre o Sol.
Iniciei falando da importância do Sol para nós, dizendo o quanto ele é benéfico para a nossa saúde e o quanto a vida no planeta depende dele para sobreviver.
- Já imaginou se o Sol se apaga?
Uma das menininhas pôs a ponta dos quatro dedos na boca e ficou em pasmo.
Laurinha, como sempre, com os ouvidos colados em minha fala.
Depois de falar do benefício do astro-rei e ter distribuído um desenho com um Sol divertido, narigudo e com óculos escuros para que eles colorissem, retomei a fala afirmando que Ele é o centro do Sistema Solar, - como sempre, ilustrando com minhas garatujas artísticas o Sol e os nove planetas.
E fui em frente.
- O Sol é uma estrela!
- Não é, professora!
- Não?
- Não!
- Quem disse isso?
Só podia ser ela, mas fiz o meu teatro, fingi que não havia distinguido a voz no meio dos burburinhos.
- Fui eu, professora!
Sim, a Laurinha, lá estava ela me desafiando novamente.
- Querida, o Sol é uma estrela, de quinta grandeza, quer dizer que ele é uma estrela grande. É a mais próxima do nosso planeta, por isso o vemos tão grande, mas não é diferente das outras estrelas, que estão distantes de nós. Se as víssemos tão perto também iriam parecer grandes.
- Mas o Sol não é uma estrela, professora!
A teimosia insistia. Um autêntico duelo entre o mestre e o aprendiz. A coisa mais saudável que podia me acontecer. Uma pequena criatura de cinco anos tentando me desautorizar, insistindo que eu estava errada. O Sol não é uma estrela! Mas não me daria por vencida e buscaria todos os meus recursos, abriria como sempre a minha caixa de tesouros dos argumentos.
- O Sol tem luz e calor, Laurinha, como todas as estrelas.
- Pode ter luz e calor, mas não é uma estrela.
- Por que não?
- Porque eu sei que ele não é uma estrela.
- Longe de eu encerrar a discussão com aquela menininha. Afinal era sempre o momento mais interessante e atraente das minhas aulas. E como ela costumava fazer, despertava a minha curiosidade. Por que afinal insistia que o Sol não é uma estrela?
- Agora quero que venha aqui à frente e nos diga o que sabe. Quero ser convencida de que o Sol não é uma estrela.
- É pra já.
E lá foi toda cheia de si, como se guardasse em si um intocável e insondável tesouro.
Parou diante da classe tão confiante que logo compreendi que fossem quais fossem os seus argumentos, ela estava prestes a ganhar a batalha intelectual com a professora. Como eu já aprendera que a lógica da criança não é lógica, é mágica, tentava antecipar uma resposta para algo que viria e sobre o qual não tinha a mais vaga noção do que poderia ser.
- E então? Agora quero, meu bem, que me diga o motivo pelo qual afirma que o Sol não é uma estrela.
- A senhora por acaso já viu o Sol de noite?
A classe inteira a me olhar, pasmada, esperando que eu dissesse algo.
Ela com o mais largo sorriso no rosto, olhando para mim com aquela cara de vencedora, e eu ali, entre gargalhar e chorar de raiva pela minha imprudência pedagógica.
Quem mandou ensinar uma coisa tão abstrata para uma criança tão esperta, que ia do quintal direto para a escola?

Marciano Vasques

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Vice-Versa de Outubro de 2010



Caros amigos,

Participam do Vice-Versa de outubro: o escritor, poeta e editor Marco Haurélio Fernandes e a ilustradora Naomy Kuroda.
Obrigada!
Um forte abraço,
Regina Sormani



Marco Haurélio

Perguntas de Naomy


1.) Marco Haurélio, como e quando a Literatura de Cordel passou a fazer parte da sua vida e da vida literária?

Acho que desde que nasci. Eu sou de uma localidade chamada Ponta da Serra, município de Riacho de Santana, no Sudoeste da Bahia. A casa do meu pai era, como nós dizemos, parede e meia com a de minha avó, Luzia Josefina. Ela guardava, numa gaveta, muitos romances de Cordel, que eu folheava, mesmo antes de aprender a ler. Eu me recordo dela contando a História da Princesa Rosa, de Silvino Pirauá de Lima (um dos pioneiros do Cordel). Detalhe: ela não possuía mais o folheto, mas reteve todo o conteúdo na memória. O que não era difícil para uma pessoa que sabia de cor inúmeros contos populares, rezas e cantigas. Quando aprendi a ler, aos seis anos, já tentei escrever o primeiro Cordel. Aos sete anos, eu sabia, do começo ao fim, a história de João Soldado (de Antônio Teodoro dos Santos) e Juvenal e o Dragão (de Leandro Gomes de Barros).

2.) Como escritor, de que forma funciona o seu processo de inspiração e criação e quando você se sente satisfeito com a sua obra para soltá-la ao mundo?

Em relação ao Cordel, que é o gênero com que mais me identifico, normalmente eu escrevo num caderno, já procurando respeitar a estrutura básica (em geral as sextilhas de sete sílabas). Na transposição para o computador, eu procuro fazer as correções, substituir as palavras inadequadas, procurando manter a espontaneidade. Leio umas três vezes e, a partir daí, comporto-me como a águia em relação ao filhote no alto da montanha: “voa, meu filho!”.

3.) Quais seriam as qualidades fundamentais para que o escritor e o ilustrador de literatura de cordel produza boas obras ?

É preciso que haja sintonia. Há muito tempo, por causa da desinformação, pensava-se que a única forma de se ilustrar um Cordel era por meio da xilogravura. Hoje, sabe-se que essa informação não se sustenta nem pela história do Cordel, nem pelo grosso das publicações no gênero, que evolui da capa cega (do início do século XX) até a policromia, adotada pela editora Luzeiro de São Paulo no início dos anos 1950. No meu livro, Breve História da Literatura de Cordel, não por acaso, há um capítulo que se chama “Da capa cega à policromia”.

Hoje, com a evolução gráfica e temática, livros infantis e infantojuvenis em cordel são uma realidade cada vez mais presente. A qualidade dos trabalhos varia, até porque nem todos os editores estão preparados para esta demanda. Por outro lado, têm surgido ótimos trabalhos. Acho que é preciso evitar o falso “pitoresco”, como fez a Elma, que ilustrou o meu A lenda do Saci-Pererê em Cordel, publicado pela Paulus. Ela imprimiu a marca dela ao trabalho, e a espontaneidade prevaleceu sobre a tentação de fazer algo mais conceitual.

4.) De que maneira a Literatura de Cordel tem evoluído desde o século XIX até os dias de hoje?

Esta evolução ocorre dentro do processo de mudança por que passou – e passa – o país. O Cordel já foi chamado de “o jornal do sertão”, que é um qualificativo verdadeiro, mas reducionista, pois não leva em conta a grande variação temática da poesia dita popular. Por outro lado, desde Leandro Gomes de Barros, o grande desbravador dessa seara, o Cordel apresenta os mesmos temas trabalhados até hoje: sátira, histórias dramáticas, romances de encantamento, pelejas e desafios, histórias de anti-heróis etc. Em relação ao aspecto gráfico, eu já respondi na questão anterior. A grande inovação, no meu entendimento, é mesmo a adoção do Cordel por médias e grandes editoras, que estão publicando obras de autores egressos do meio tradicional e que não vêem nenhum problema com os novos formatos. Essa foi a grande travessia que a nossa geração ousou fazer.



Naomy Kuroda

Perguntas de Marco Haurélio


1.) Naomy, começo parabenizando por seu belíssimo trabalho e com uma pergunta básica: o que a levou ao mundo das imagens? O fato de o seu pai ser fotógrafo, conforme o belo depoimento no seu blog foi decisivo?

Muito obrigada.Todas as vezes que recebo comentários gentis em relação aos meus trabalhos fico muito feliz assim como uma mãe que tem a sua boca adoçada ao ver seu filho receber um beijo. Eu nasci como a segunda filha de uma família em que a arte tinha o seu espaço reservado. Meu pai, fotógrafo profissional, amante da literatura japonesa, minha mãe embora fosse "do lar" era uma retratista de tirar o chapéu e nas suas horas de lazer escrevia poesias e histórias infantis em língua japonesa e algumas até premiadas. Na minha infância, até onde minha memória permite retroceder, desenhar era a atividade mais prazerosa e a que ocupava a maior parte do meu dia. O castigo mais temido era o de não poder desenhar. Aprendi a manusear o pincel e as tintas com a minha mãe quando comecei a colorir as fotografias em preto e branco para os clientes do meu pai. Foi numa época em que não havia fotografias coloridas. Embora desenhar nunca tenha deixado de fazer parte da minha vida cheguei a ter outra profissão para poder sustentar este prazer. No meu ambiente de trabalho, como todos conheciam meus desenhos, a cada aniversário, despedida e aposentadoria de algum funcionário me pediam para confeccionar os cartões. Eu colaborava com as minhas ilustrações para os jornais e revistas da empresa. Vendo isto, o chefe do departamento me chamou para uma conversa:
- Naomy, você nunca pensou em se profissionalizar como ilustradora? Eu acho que você está perdendo tempo.
Ao ouvir isto de um profissional sério e competente me senti avalizada e fortalecida para batalhar e fazer do que mais gosto uma profissão.


2.) Transformar palavras em imagens?” e “transformar imagens em histórias”. O que é preciso para que haja sintonia entre texto e ilustração, e vice-versa?

Acredito sim, em uma sintonia entre texto e ilustração, mas, acredito mais ainda numa energia que atrai um texto ao ilustrador e vice-versa.
Muitas vezes recebo histórias para ilustrar e isso, a princípio me assusta achando que não tenho estilo para aquele texto, mas, encaro o texto, vamos nos estranhando, conhecendo, gostando, sentindo o prazer do desafio e quando percebo já estamos amigos e as ilustrações terminadas.
Cada história que recebo para ilustrar é uma oportunidade de ampliar o meu horizonte profissional e descobrir as minhas faces escondidas. Penso também que a boa percepção do editor que faz a escolha do ilustrador servindo de ponte entre a história e o ilustrador também é o que faz a diferença. Então, quando um editor me destina uma história para ilustrar aceito com muito prazer e procuro fazer o melhor.


3.) Você ilustrou algumas fábulas. O que elas podem ensinar nos dias de hoje?

Acho as fábulas maravilhosas. Acredito que todos nós que tivemos o prazer de ler inúmeras fábulas contendo ensinamentos subliminares temos dentro de nós um profundo conhecimento sobre a conduta moral e ética ideal. Muitas vezes, o grande problema é que quando adultos, pressionados pela vida corrida e com a transformação dos interesses primordiais, tais ensinamentos ficam esquecidos lá no passado. Portanto, eu acredito que seria ótimo se os adultos nunca se desligassem da literatura infantil. Que visitassem sempre os livros infantis como se visita a casa dos pais.


4.) Você ilustraria um texto em cordel?

Seria um desafio muito interessante. Sempre gostei muito de ler as poesias da literatura de cordel, da pureza, da religiosidade, da arte do cotidiano e do folclore do Brasil.
Admiro muito as ilustrações que enriquecem os folhetos rústicos da literatura de cordel. Nunca recebi um texto em cordel para ilustrar, mas como eu respondi na pergunta número dois, seria uma oportunidade para estudar mais, pesquisar mais e descobrir-me capaz.