PÉ
DE MEIA LITERÁRIO
A
Política Pública como mediadora da formação de leitores
O conceito de mediação vem
sendo usado largamente nos últimos tempos para os assuntos ligados à formação
de novos leitores. Trata-se, evidentemente, de conceito antigo, já utilizado em
outras áreas do conhecimento nas ciências humanas. O ato da mediação, algo que
existe desde os tempos primórdios da humanidade, sempre esteve presente em
qualquer ação que envolva pessoas. Nesse sentido, é possível afirmar que toda a
história da humanidade foi uma história “mediada”, pois a construção da
civilização conhecida pressupôs pessoas
em comunhão, em ação mediada por uns e outros. Mediar, nesse sentido, é
estabelecer relações entre um e outro, uma ponte, uma senha de passagem.
A formação de leitores,
algo com que nós brasileiros, temos nos preocupado mais proximamente nos últimos
tempos, talvez porque a informação – adquirida pela leitura – seja uma das
mercadorias mais valiosas, vem se utilizando desse conceito à exaustão. Mediar,
nesse caso, seria a atuação de uma pessoa, em relação com outra, no
estabelecimento de uma ponte, de um caminho de acesso para a formulação de nova
significação. Como as árvores, que buscam crescer para cima, para o alto, os
leitores também buscam crescer para cima e para o alto, de modo lento e
gradual, com a parceria e proximidade de um mediador.
Do ponto de vista mais
amplo, podemos falar que as instâncias mediadoras não se resumem a isso, pelo
contrário, se arquitetam em várias possibilidades inter-relacionadas em
diálogos possíveis. Uma dessas instâncias, talvez a mais ampla e a mais
fundamental, é o estabelecimento de política pública para a formação de
leitores. Uma política pública é uma ação intencional, planejada, duradoura e
ampla indicada em programas de governos,
estabelecida em sua carta programática e depois colocada em ação, objetivando
chegar a camadas maiores da população. Responde a uma demanda social sentida
pelo político ou apontada pela sociedade civil organizada. Nesse caso, uma
política pública para a formação de leitores responderia à demanda por mais
consumo de leitura, em seus vários níveis e significados – e por melhor
desempenho na lida com os textos estabelecidos nos diversos suportes de
leitura. Estaríamos pressupondo que dessa forma, alcançando êxito nessa
política pública, o desempenho dos brasileiros na questão da leitura – e por
extensão na escrita – levaria a população a uma compreensão melhor do seu tempo
e da sua história, podendo, a partir daí, intervir de forma mais qualificada na
vida do seu país.
Em sendo assim, uma
política pública para a formação de leitores deveria centrar-se em alguns
aspectos fundamentais: a criação de espaços de leitura (bibliotecas, salas de
leitura, pontos de leitura, etc.), na formação de acervos diversificados e na
formação de mediadores de leitura. Esses três aspectos devem ser sustentados
por princípios de democratização das relações, descentralização das ações e do
uso das verbas, participação efetiva dos sujeitos envolvidos na condução do seu
projeto e continuidade dos programas de formação. Essas ações não devem ser
confundidas com marketing, com a centralização das decisões e compras, com a
repetição das parcerias e com o entendimento que os parceiros da ponta, onde os
processos acontecerão, são meramente executores de decisões tomadas em esferas
“superiores e mais iluminadas”. Nada mais desastroso para uma política pública,
em qualquer área do conhecimento e da atuação política, do que centralizar
decisões e compras e eliminar desses processos os sujeitos responsáveis pela
atuação direta. Esta forma de encaminhamento de uma política pública é
tendenciosa, ruim e não serve à maioria dos envolvidos.
Num país como o nosso, com
uma avaliação baixa do desempenho dos brasileiros no quesito leitura e com um
nível de atuação política dos mais baixos, é de se pressupor que esta forma de
implantação de uma política pública é altamente perniciosa e que pouco
contribuirá para a formação de leitores competentes. Estamos longe de poder
acompanhar, por falta de instrumentos e instituições gabaritadas para tanto, as
decisões, o uso das verbas, a distribuição de material e a efetividade dos
projetos e programas onde eles devem acontecer. É assim que essa falácia vai se
instalando e comendo o próprio rabo
justificando as críticas feitas às escolas, às bibliotecas e aos pontos
de cultura de todos os tons e matizes. Com essas críticas, na maioria das
vezes, parciais e enviesadas, justifica-se a manutenção de uma política pública
centralizada e autoritária.
Por que não nos
perguntamos qual a razão (ou razões) de bibliotecas estarem às moscas, de
escolas não terem bibliotecas ou salas de leitura, de pontos de leitura
minguarem? Serão todos esses profissionais incompetentes a ponto de
sistematicamente naufragarem em seus projetos? Ou falta a eles – e aos
mediadores com os quais dividem a aflição – verdadeiras condições de espaço, de
formação continuada, de oportunidade para a decisão e criação de seu próprio
projeto de atuação? Porque estas decisões, respaldadas em críticas que, se
analisadas bem de perto poderão ser consideradas verdadeiros bumerangues,
sustentam a manutenção da centralização.
Política pública na
formação de leitores deve envolver muita gente, estimular ideias e projetos
próprios, chamar a responsabilidade local para o uso da verba e para a
proposição de sua ação. Este tipo de envolvimento facilitaria a troca de
informações regionais, a busca de soluções coletivas, o surgimento de um
diálogo permanente entre os parceiros, de uma mediação em que o mediador seja
ele um parceiro, uma ponte, uma alavanca e não um feitor que tudo sabe, que
tudo decide, que responsabiliza e sai fora da responsabilidade. Quanto mais
democrática for uma ação de política pública, mais gente envolverá nessa
responsabilidade de fazer dar certo. Talvez aí esteja o ponto exato que
diferencia uma política pública efetiva de uma grande e ampla ação de marketing
que beneficia os governos de plantão e seus parceiros.
Estamos longe ainda de nos
sentirmos como uma nação leitora, como um povo que tem na leitura um modo de
vida, um jeito de aprender e viver, uma saída para a qualidade de vida
melhorada para todos, em que pesem a atuação pontual qualificada de muitos
educadores de muitas escolas, de esforçadas organizações não-governamentais e
de agentes culturais de ponta. É muito pouco.
Não é sem razão que
recente levantamento aponta que apenas cerca de doze por cento das escolas
públicas do Estado de São Paulo, o estado mais rico da federação, tem
bibliotecas ou salas de leitura. Não é preciso dizer mais.
Resta-nos apenas lutar por
mudanças e pelo estabelecimento de uma política pública para a formação de
leitores mais vigorosa, mais saudável, mais democrática e mais descentralizada.
EDSON
GABRIEL GARCIA
Educador
e escritor
SAMPA,
julho de 2014