domingo, 17 de julho de 2016

Canto&Encanto da Poesia


NO LIMIAR DA NATUREZA*

“Se é de metal, minha visão atina
e ao pedregulho mais comum eu canto.”
 (Bento Ferraz — jornalista, compositor e poeta)


Percorro as poucas ruas do meu bairro, 
as casas que contornam labirintos, 
os muros, pelo musgo escuro, tintos, 
as portas e janelas de madeira, 
um gato que aparece e já se esgueira, 
a velha que me espia da janela, 
a jovem sorridente e muito bela, 
e tudo que provoca algum espanto, 
se é natural, minha visão atina 
e o pedregulho mais comum eu canto, 



porque, se a natureza me convida, 
não posso desprezar o seu chamado. 
No mundo, eu não me sinto deslocado, 
meu bairro é sempre cheio de surpresas 
e posso descobrir muitas belezas, 
apenas, ao dobrar qualquer esquina: 
Se é natural, minha visão atina 
e o pedregulho mais comum eu canto
e, assim, a cada pedra eu amo tanto, 
pois pedras também guardam sutilezas



e nada do que vejo é permanente... 
As nuvens condensadas pelo céu, 
os pássaros, em súbito escarcéu, 
acabam por gravar-se na retina. 
Se é natural, minha visão atina 
e o pedregulho mais comum eu canto... 
Meu canto almeja ser um acalanto, 
qual música suave das esferas, 
os sons que já vararam tantas eras, 
ou mesmo o próprio Verbo sacrossanto!



Quem dera que o meu canto fosse ouvido, 
tal fosse uma verdade cristalina! 
Se é natural, minha visão atina 
e o pedregulho mais comum eu canto, 
assim evito apenas que o meu pranto, 
vertido por tristezas inconfessas, 
percorra as muitas ruas e travessas 
do bairro onde nasci, faz algum tempo 
e os sonhos que deixei no calçamento 
e a paz sejam reais, e não promessas... 



À paz, a inteligência se destina! 
Se é natural, minha visão atina 
e o pedregulho mais comum eu canto. 
A pedra não tem vida e, entretanto, 
não causa nenhum mal ao semelhante. 
Inerte, seu valor é mais constante, 
que aquele do mais mísero animal, 
afeito a fazer bem, só faz o mal, 
e atinge com furor seu semelhante, 
e dizem que esse ser é racional. 

Nilza Azzi 

*Poema com mote migrante 




quinta-feira, 14 de julho de 2016

Contos e causos agudenses

Quem conta um conto...




Saia justa


Meu pai, Hércules Sormani, seu Lano para os amigos, foi, certa vez convidado para um almoço numa fazenda que ficava no distrito de Paulistânia, hoje município, próximo à cidade de Agudos.
E lá foi ele, em companhia de um amigo, dirigindo seu pequeno caminhão pelas estradas de terra. Naquela época, o asfalto ainda não havia chegado por aquelas bandas.
Pra quem não sabe, lá no interior, o sortudo que é convidado pelo dono da fazenda para um almoço, pode se preparar pra comer bem...e muito. A mesa é farta, a bebida é de qualidade, a companhia é agradável. A música, lá no fundo é a dos violeiros da região.Todos esses fatores conspiram para que o convidado se empanturre, porque senão corre o risco de aborrecer o anfitrião. Bem, depois de comer e beber, beber e comer, enquanto o companheiro de viagem ficou à mesa proseando, seu Lano resolveu “esticar as pernas” e anunciou que iria dar um passeio pelas redondezas.
— Não vá muito longe— avisou o fazendeiro— daqui a pouco vamos servir o lanche da tarde!
Seu Lano foi caminhando, admirando a natureza, ouvindo os pássaros e aos poucos  se distanciou da casa da fazenda. O sol do início da tarde queimava  no lombo e ele olhou ao redor procurando onde se abrigar. Viu, a poucos metros uma bela jaqueira já com os  frutos despontando e para lá se dirigiu. Sentia-se sonolento pela caminhada e pelo excesso de comida. Notou que ao redor da árvore havia cinco pedras de formato arredondado, faiscando ao sol.  Debaixo da jaqueira havia uma boa sombra e ele se sentou no chão, encostando-se no tronco da árvore. Fechou os olhos e tirou uma deliciosa soneca. Meia hora depois, despertou, incomodado por um ruído semelhante ao som de um guizo.
— Nossa!  Isso tá parecendo é guizo de cobra cascavel.— falou consigo mesmo,  preocupado. Olhou em volta e percebeu que algumas das tais pedras redondas haviam mudado de lugar, estavam bem mais próximas dele.  Firmando a vista, já livre do sono, constatou, assustado que havia dormido em companhia de cinco cascavéis  Quem sabe, elas também haviam exagerado no almoço e estavam  lá, descansando para fazer a digestão.
Com as pernas trêmulas, seu Lano criou coragem e se levantou, lentamente pra não acordar as cascavéis. Não é preciso dizer que ele chegou, afobado e atordoado à casa do fazendeiro. Bem que tentou contar o acontecido, mas, ninguém quis acreditar e ainda caçoaram dele à moda caipira:

— Conta ôtra, cumpadi! Essa foi demais da conta!

Abração!!!!

Regina Sormani