quarta-feira, 29 de junho de 2011

Canto & Encanto da Poesia





A Lenda do Sumé - em cordel


ilustr. Eduardo Azevedo
Quando esta terra não era
Conhecida por Brasil
E a flecha não tinha sido
Vencida pelo fuzil,
Dos valentes goitacás
Lendas de guerra e de paz
Se espalhavam em cantos mil.

No sul do Espírito Santo,
Ao crepúsculo matutino,
Certa vez apareceu
Um estranho peregrino.
Enquanto o sol despertava,
Sobre as ondas caminhava
Um ser em tudo divino.

Tinha ele barbas sedosas
Como fios de cambraia.
Surgido do mar revolto,
Caminhava para a praia.
Os índios o contemplavam,
Os mais valentes se armavam,
Postando-se de atalaia.

Quando o sábio aproximou-se,
Todos logo se acalmaram,
Pois uma expressão bondosa
No rosto dele notaram.
Contemplando o ancião,
Arcos e flechas no chão
De imediato lançaram.

Sumé, era esse o nome
Do estranho visitante,
Que talvez tivesse vindo
De um mundo muito distante,
E ali, naquele lugar,
Dispôs-se ele a ensinar
Um segredo relevante.

Pele branca, olhos azuis,
Suavidade, brandura,
As barbas caíam aos pés
Da divina criatura
Que veio aos índios mostrar
Que deviam começar
As lidas da agricultura.

Dizia: — Meus filhos, vejam
Esses grandes empecilhos:
Somente pedras e espinhos
Se espalham por esses trilhos,
Mas a Terra é generosa
E como mãe carinhosa
Quer alimentar seus filhos.

Cacem, pesquem, colham frutos,
Com que vão se alimentar.
Aquilo que hoje tem muito
Amanhã pode faltar.
Portanto, tenham certeza,
Não tirem da Natureza
Mais do que ela pode dar.

Quem antes fora guerreiro,
Em batalhas inclementes,
Agora seguia o sábio,
De gestos tão comoventes
E a terra logo se abria,
Generosa, e recebia
As mais diversas sementes.

Passaram os dias, os meses,
Naquela semeadura,
Que proporcionaria
Uma condição segura
Ao povo que ignorava,
Mas agora dominava
Primitiva agricultura.

A terra havia mudado:
Frutos, cereais surgiam,
Cará, milho, mandioca,
Que os índios não conheciam.
Deslumbrados festejavam.
Simplesmente duvidavam
Do que os seus olhos viam.

Sumé também se alegrava,
Findos os tempos cruéis.
As feras mais bravas vinham,
Mansas, deitar-se aos seus pés.
A Natureza sorria
Ao povo, que a protegia
Como devotos fiéis.

Mas o pajé invejoso,
Um grande temor aflige-o:
Com a chegada do santo,
Perdera muito prestígio.
Movido pela vaidade,
Conclama a comunidade
Para que entre em litígio.

— Como pode? — perguntava —
Um povo antes guerreiro
Abaixar-se servilmente
Às ordens de um forasteiro?
Onde está sua bravura?
Perdeu-se pela loucura
Desse estranho aventureiro!

Ele quer nos tornar fracos
Pra depois nos dominar!
Assim, as outras nações
Poderão nos derrotar.
Atentem para o que digo:
Expulsemos o inimigo
De volta pra o seu lugar.

Nem todos deram apoio
Às palavras do pajé,
Mas este homem invejoso,
Movido pela má fé,
Espalhou maledicência,
Pagando com violência
A bondade do Sumé.

E boa parte da tribo
Acabou sendo iludida.
O pajé que, pela inveja,
Teve a alma corrompida,
Deu ordem para um guerreiro:
— Use seu arco certeiro
E do bruxo tire a vida!
E assim um povo que fora
Mudado em agricultor,
Deixou se inflamar de novo —
Nas faces ódio e rancor —
E foi decidido, então,
Pagar com ingratidão
A quem pregava o amor.

Quando a maldade domina,
Desaparece o respeito.
O Sumé, sem esperar,
Foi atingido no peito!
Porém a flecha atirada
Por ele foi arrancada,
E mal nenhum lhe foi feito.

Logo uma chuva de flechas
Partia de todo canto,
Atingia sem ferir
O corpo daquele santo.
Uma a uma ele arrancava,
E sorrindo perdoava
A quem o odiava tanto.

E, sem dizer mais palavras,
Caminhava para o mar.
Pelo caminho em que veio
Fez questão de retornar.
Teria ido às estrelas?
Alguns afirmam ao vê-las
Que ele um dia vai voltar.

Nota: O Sumé é um personagem da mitologia tupi, um civilizador branco que teria vivido entre os índios, aos quais ensinou, entre outras coisas, o cultivo da terra. Mas, passado o tempo, vendo-se perseguido pelos tupinambás, retirou-se para a região andina. A rota do Sumé ficou conhecida como Peabiru, o Caminho da Montanha do Sol. O fato que descortinou a lenda teria ocorrido bem antes da chegada dos portugueses ao Brasil.

Os padres jesuítas, encarregados da catequese dos índios desde o século XVI, identificaram o personagem com o apóstolo Tomé, que teria atravessado o Atlântico e pregado o cristianismo entre os primeiros habitantes do território que viria a ser o Brasil.

A lenda recontada em nosso livro, no entanto, descreve um ancião que surge no mar e caminha em direção à terra, onde é bem recebido pelos índios (goitacás), a quem ensina os segredos da agricultura. Sua expulsão se deve aos ardis de um pajé invejoso. Essa narrativa, de clara reelaboração literária, aparece no livro Lendas capixabas, de Maria Stella de Novaes. O Sumé termina por retornar pelo mesmo caminho, o Atlântico, deixando desolados os goitacás, punidos por sua ingratidão.
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A Lenda do Sumé é um dos poemas do livro Lendas do Folclore Capixaba (Nova Alexandria), de Marco Haurélio, ainda inédito.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

São João, uma festa familiar



A festa de São João é comemorada na passagem de 23 para 24 de junho, revivendo-se rituais do fogo daí, a tão famosa fogueira, conhecida em todas as regiões do Brasil. Acender a fogueira é uma maneira de homenagear esse santo tão querido
São João era primo de Jesus e recebeu o nome de Batista porque batizava seus seguidores no rio Jordão, derramando-lhes água na cabeça. Em algumas cidades do interior do estado de São Paulo e de outras capitais, ainda persistem antigas tradições, praticadas em família, ou nos pátios das igrejas, como dançar a quadrilha e armar o pau-de-sebo, um tronco de uns 4 metros de altura, no qual os meninos sobem, com dificuldade para pegar prendas penduradas no topo. Nas cidades grandes, festeja-se o São João nos clubes ou nas escolas. Na Europa, principalmente em Portugal, São João é um dos santos mais populares e é considerado o protetor dos monges.

A ilustração acima é de autoria de José Lanzellotti, publicada na revista Brasil, histórias, costumes e lendas da Editora Três.

Um abraço,
Regina Sormani

quinta-feira, 16 de junho de 2011

PÁGINA DO ILUSTRADOR - 22 - MACÉ MARINHO


PÁGINA DO ILUSTRADOR - 22

MACÉ MARINHO
Nasci em São Paulo, mas me criei no Rio de Janeiro, onde adoro viver. Meu nome é Maria Célia, mas inventei de abreviar para facilitar as coisas, e hoje muitos me conhecem como Macé. Me graduei na Faculdade de Serviço Social da UERJ, mas não exerci a profissão. Troquei tudo por lápis, pincéis e tintas, e saí por aí rabiscando o mundo. Às vezes penso que devo ser meio do contra... O certo mesmo é que aprendi muito, convivendo com os profissionais das artes, ao mesmo tempo em que freqüentei cursos livres, oficinas e ateliês. Talvez a grande experiência de minha vida tenham sido os 18 anos dedicados ao trabalho em algumas emissoras de tv, especialmente os 14 anos em que atuei na Editoria de Arte da Central Globo de Jornalismo de São Paulo. Esta foi uma grande escola. Enquanto me esfolava, correndo contra o tempo pelos estúdios da tv, arranjava uma forma de ilustrar livros infantis, pintar e fazer freelas como colaboradora em editoras, produtoras e empresas de comunicação. Ilustrei alguns livros alheios e me arrisquei a ilustrar dois de minha autoria. As coisas não mudaram muito até hoje. Continuo entre lápis, pincéis e tintas, louca por arte. Acho que não tenho mais jeito...

Mudanças

Depois de muitos anos como ilustradora na tv, passando por livros infantis e colaborações na área editorial, mudanças na vida pessoal e profissional me levaram a trilhar outros caminhos. Os computadores começaram a entrar também nos departamentos de arte das emissoras de tv, e, rapidamente se tornaram imprescindíveis na produção, transformando tudo e todos. Aos poucos fui aprendendo a trabalhar com programas gráficos, a desenhar e a pintar, a fazer pequenas animações e fiquei tão entusiasmada com os novos recursos, que acabei guardando minha maleta de tintas, acreditando sinceramente, que, a partir daquele momento já não teria mais serventia. O tempo passou, aprendi a fazer muita coisa nos computadores, mas com a rotina senti um certo vazio. Percebi que só tecnologia não tinha graça, faltava alguma coisa mais. Foi então que retomei a pintura convencional, que eu havia abandonado. Vasculhei novamente os meus guardados à procura da minha velha maleta de pintura, e desandei a freqüentar cursos de arte, mas dessa vez de arte contemporânea. E, progressivamente, fui tomando consciência da importância de aliar tecnologia e arte, já que ambas se complementavam. Retomei a pintura em tela, mais especificamente a pintura acrílica. E jamais abandonei os computadores.

Mas alguém poderia me perguntar: - E o que isso tem a ver com a ilustração de livros infantis? E eu diria: - Tudo. Desenhar, pintar, ilustrar para crianças, jovens ou adultos, trabalhar com computadores, fotografar, tudo isso caminha junto e eu não gostaria de abrir mão de nenhuma dessas possibilidades. Gosto da liberdade de rabiscar e manchar ao acaso uma tela ou um papel branco, e, descompromissadamente, seguir os indícios de uma imagem se formando, perseguir uma forma, uma figura, uma situação, e, de repente, me surpreender com o resultado. Sem querer dominar o processo, sem tentar conduzir, deixando apenas a coisa fluir livremente. Exercer a função do artista, ser o instrumento para que a imagem se torne presente, venha à luz, se materialize. E depois sentar-me à frente de um computador, e se me parecer interessante, interferir nessa imagem com algum efeito ou recurso digital. Ou então fotografar uma cena de rua, de pessoas em diferentes situações, depois plotar e entrar com a pintura em si. Por que não?

Ainda bem que os tempos são outros e hoje todas essas misturas não só são permitidas, como também são muito bem recebidas.

No entanto, quando tenho um texto para ilustrar, sei que não posso perder o foco e sair desenhando e pintando aleatoriamente, apostando inteiramente no acaso, exclusivamente entregue aos meus impulsos criativos e à expressão. Nesse momento, sei a importância que minha sensibilidade adquire, no sentido de trabalhar e encontrar, efetivamente, a harmonia entre palavra e imagem.


Capa - O Laçarote Engomado, Macé Marinho - Melhoramentos


Ilustração 1 - O Laçarote Engomado


Ilustração 2 – O Laçarote Engomado



Ilustração 3 – O Laçarote Engomado



Capa do livro O Macaco e o Confeito, de Edy Lima - Melhoramentos




Ilustração 1 – O Macaco e o Confeito


Capa do livro O Sapo Batista, de Vanessa Kalil – Melhoramentos

SEGUE


Ilustração 1 - do livro O Sapo Batista


Ilustração 2 – do livro O Sapo Batista


Ilustração 3 - do livro O Sapo Batista

Abaixo imagens pinturas recentes


Título: Os Comedores de Alface Técnica: acrílica sobre tela


Título: Conexões Urbanas Técnica: acrílica sobre tela


Título: Fila do Benefício Técnica: acrílica sobre tela

SEGUE


Título: Homem ou animal ? Técnica: acrílica sobre tela

SEGUE


Título: Indiozinho Técnica: acrílica sobre MDF


Título: Na Floresta Técnica: acrílica sobre MDF


Título: Non Sense

Técnica: acrílica sobre tela



Título: Rato rosa entre outras figuras

Técnica: acrílica sobre tela


Título: O Rei da Cocada Técnica: acrílica sobre MDF

FIM


Para conhecer mais o trabalho da Macé visite: http://macemarinho.blogspot.com/



quarta-feira, 8 de junho de 2011

Mensagem

ROSAS VERMELHAS

Os enamorados vivem duas vezes. O tempo funde-se nos seres enamorados, misturando passado, presente e futuro. Como em um jogo de videogame, ganham uma vida extra. Uma é a vida normal, a da rotina, a do mundo material. A outra é uma vida bônus, um acréscimo, uma ampliação da consciência universal em cada um de nós, uma luz que denuncia as cores do mundo tornando o céu mais azul, anunciando o entardecer como uma aquarela de tons arroxeados beijando o morno do alaranjado solar e os pássaros que cantam em harmonia com sua coreografia de balé no palco azul do mundo – asas esticadas, bico levantado e pés alinhados -. Nosso olhar se torna seletivo e as flores se sobressaem as ervas daninhas. Nossos sentidos todos ficam transtornados, exacerbados e involuntariamente mapeiam as belezas que antes despercebidas se escondiam quando passávamos. Quando amamos, levitamos, e mesmo assim, enxergamos o que está rasteiro e o que está no alto. Passamos de mero figurante a personagem principal de um filme em 3D. O amor nos torna uma pessoa melhor, mais saudável, mais caridosa, mais tolerante e acessível. O amor nos transforma naquiloque é o nosso melhor. Nesse outro ser que inala pausadamente o perfume das rosas e expira boas intenções.

De todos os amores na vida, nenhum é tão traiçoeiro e adorável ao mesmo tempo como o amor romântico. De todas as flores, a rosa. De todos os perfumes, o da rosa. De todas as cores, o vermelho da rosa. De todos os veludos, o das pétalas de uma rosa. Os enamorados se transformam em botões de rosas que se encontram, seus espinhos caem por terra, suas folhas tornam-se braços que se procuram; a pele tem perfume rosado; o rosto se avermelha em tímidos suspiros, corados de amor. Acidente ou destino? Conquista ou bênção? Os caminhos para se chegar ao amor verdadeiro nunca foram totalmente desvendados. Sabe-se, apenas, que quem sofre de amor romântico e é retribuído tem o sofrimento mais doce dos mundos e nunca quer sarar. A dor da saudade é uma dor amiga. A dor das lembranças quando longe é uma ansiedade com a certeza que o encontro fará com que o mundo pare para os dois. Afastar-se de um amor que une dois universos e os transforma em um céu bordado de estrelas, desenhando uma vida de único sentido, é impossível. Felizes são os que encontram seu par cedo na vida. Muitos procuram a vida toda e não percebem quando ele passa fantasiado, escondido sob olhares que buscam o chão, envergonhados por traírem o maior dos segredos... Um amor verdadeiro pode se esconder em um jardim repleto de coloridas flores, impedindo que você o identifique, até que ele murche de solidão. Fique atento. Permita-se amar. Observe as rosas. A rosa simboliza o amor dos casais enamorados, a perfeição que Deus criou, o encontro, as almas que se atraem ignorando fronteiras, distâncias, idade, sexo, classe social, cultura e idioma. O reconhecimento pela íris que ilumina a ponto de cegar seu par, que nada mais enxerga além da pessoa amada. Se as paixões são estrelas, lindas, fortes, piscantes e limitadas, o amor é o cometa que rasga o nosso céu e nos mostra o desconhecido em nós mesmos. Estrelas se apagam. Os cometas são eternos porque mesmo quando não mais os vemos, deixam nossa história marcada para sempre. Mesmo quando idos, continuam a passar em nossa frente, como flashbacks involuntários, e não tenho dúvidas de que na hora de partirmos, não são as paixões que nos receberão do outro lado, somente os amores genuínos, do amor cristão ao amor romântico. A coroa de flores representa nossa despedida da vida, da vida de solteiro, da vida de estudante: flores do campo, lírios, alfazemas, pequenas margaridas, tulipas, rosas brancas, amarelas ou cor-de-rosa... Mas cada pessoa tem a sua rosa vermelha, aquela pela qual anseia e deseja segurá-la na mão na sua última viagem, a que representa o amor romântico, o encontro do par, o companheiro eterno, o fim da procura.

O Dia dos Namorados não é somente o dia doze de junho. O Dia dos Namorados é todos os dias em que acordamos e, ao pensarmos no nosso par, sorrimos. Porque o amor saudável não dói. O verdadeiro amor é uma benção.

Elvis, o eterno namorado, com sua voz marcante, gravou Let it be me, dizendo exatamente isso. Gostaria que a tecnologia houvesse evoluído ao ponto dessa música tocar enquanto o leitor lesse essa crônica. Já existe algo parecido que em futuro próximo será lançado, o jornal em papel com acesso ao mundo virtual em um computador próximo. Os milênios passam, a tecnologia evolui, mas o amor é o mesmo do começo dos tempos. Os que o encontram e são retribuídos, são mesmo abençoados.

“God bless the day I found you/I want to stay around you/And so I
beg you/Let it be me…”

Tradução livre: Deus abençoe o dia em que te encontrei, eu quero sempre estar perto de ti, então eu te imploro, deixe que seja eu...

Simone Pedersen


quarta-feira, 1 de junho de 2011

Vice-Versa de Junho de 2011

Queridos associados da AEILIJ!

O escritor Alexandre de Castro Gomes, o Alex, e a ilustradora Cris Alhadeff (RJ) estão participando do Vice-Versa de junho.
Quero agradecer a participação e parabenizar a dupla.
Um grande beijo!

Regina Sormani


Perguntas de Alexandre de Castro Gomes para Cris Alhadeff

1) O primeiro livro publicado com suas ilustrações foi lançado em meados do ano passado. De lá para cá já são 12 obras com seu traço, sem contar sua participação na primeira antologia da AEILIJ, o livro "Trem de Histórias". Dá tempo de fazer outras coisas?

Não acho que seja muito, não. Olha só: comecei a ilustrar LIJ em 2009, com Condomínio dos Monstros e Alice Faz Aniversário, que foram publicados em 2010. Logo depois vieram o Baile das Caveiras, Alfinete, o Porco-espinho e o Vou Contar um Segredo, Uma História Cheia de Medo (todos também de 2010). Depois foi a vez de uma antologia de fábulas, do Festa do Calendário, do O que é que não é?, do O Senhor dos Dragões, e do Era Uma Vez, Uns Três (que estou ilustrando). Tenho mais três em produção, aos quais vou me dedicar em seguida, mas que já estão bem adiantados. Cada um com seu estilo, o que me traz a possibilidade de experimentar, que é o que eu mais gosto. Fora isso, continuo como webdesigner, trabalho que faço desde 98, tenho desenvolvido imagens para publicidade e estou me dedicando também ao design de superfície, que é uma delícia de fazer.

2) Você compra livros pela capa? A beleza de um livro está somente nas mãos do ilustrador?

Não posso dizer que compro, mas é claro que é o primeiro fator que me atrai ao livro, como ilustradora e não como consumidora em potencial (mãe) Uma bela capa, instigante, com um título inteligente, engraçado... Uma edição, que surpreenda pelos materiais utilizados é sempre uma delícia. Mas sempre tendo a criança em mente. Ela é o público alvo. É ela quem tem que ser cativada pelo livro. Na minha opinião existem muitos livros por aí que não são produzidos pensando no público infantil. São livros elaborados, caprichados, mas que são para inglês ver. Livros que tanto o texto quanto a ilustração são feitos para arrebatar o adulto, com um conteúdo que se revela morno sob o olhar infantil. Quantas vezes li livros premiadíssimos para meus filhos e os vi demonstrar empolgação zero? Acho que isso deve ser repensado.

3) Como o convívio com seus filhos influencia suas ilustrações?

Posso dizer que foram meus filhos que me fizeram redescobrir o mundo da literatura infanto-juvenil, e que através desse resgate, descobri a minha praia. Adoro ilustrar LIJ. Gosto demais de frequentar livrarias com meus filhos e descobrir com eles novos livros para explorarmos juntos. Tem muita coisa boa sendo produzida. Eles participam muito do meu processo criativo, opinam, sugerem...desenham muito, paralelamente, sempre tentando acrescentar suas ideias. Trazem da escola livros, para lermos juntos, que, imaginam, vão me trazer alguma surpresa, alguma novidade. Muito legal, também, é ver que eles já reconhecem alguns ilustradores pelo traço. Olham e dizem:
- Olha lá um livro da fulana, ou do fulano!

4) Você ilustrou dois dos meus livros: "Condomínio dos Monstros" e "Festa do Calendário", e está atualmente ilustrando o terceiro, "Pinguina vai ao Polo Norte". Qual a melhor parte de morar com o escritor? E a pior? Pode botar a boca no trombone. Mas, pega leve, viu?

Para mim é um privilégio dividir a vida com um escritor : podemos trocar impressões, opiniões e emoções. Por outro lado, é estranho ter o autor do livro, que estou ilustrando, assistindo passo a passo do meu processo de criação e opinando ativamente em cada detalhe. Ainda estou me acostumando com isso. Tudo é um processo: a cada livro, minha produção fica mais rápida e mais elaborada - à medida que vou ficando mais à vontade com tipos diferentes de materiais e suportes. Para experimentar, preciso de textos, e ter você por perto é diversão garantida.




Perguntas da Cris Alhadeff para Alexandre de Castro Gomes



1) Como foi que você se interessou por literatura?

Quando pequeno, estudei na Escola Americana da Gávea, que tinha uma bilbioteca infantil recheada de ótimos livros, nacionais e estrangeiros. Cresci lendo Flicts, Curious George, The Cat in the Hat, A Turma do Pererê, Monteiro Lobato... Tenho até hoje dois livrinhos da Charlotte Becker que eu adorava. Escritos na década de 40 e publicados aqui, no comecinho da década de 70, pela coleção Primavera da Melhoramentos. Eram feitos em capa dura e traziam a história de 2 gêmeos diferentes em tudo, mas muito companheiros. Cresci um pouco e adotei os gibis. Meus pais eram separados e sempre que eu passava fins desemana com o pai, ele me dava revistinhas da Disney, da Turma da Mônica, do Bolinha, do Homem-Aranha. Me lembro também que havia um programa legal na Escola Americana, onde uma vez por ano ganhávamos um catálogo com uma série de livros para escolher, alguns importados e outros nacionais. Comprei um monte. Descobri os livros de bolso de bangue-bangue que meu pai colecionava. Ele devia ter uns 50 títulos. Li todos. Duas ou três vezes cada um. Voltei a ler sem parar. Comprei várias coleções da Ediouro: Clube do Falcão Dourado, A Turma do Posto Quatro, Os Seis, Inspetora, Capitão Lula. Eu era mesmo viciado nesses livrinhos. Até hoje tento completar a coleção dos detetives do posto quatro de Copacabana, escrita pelo talentoso Hélio do Soveral (na minha opinião um gênio brasileiro em textos juvenis). Outra por quem eu tinha uma paixão de leitor era, e ainda é, a Stella Carr, com suas aventuras dos Irmãos Encrenca (O Incrível Roubo da Loteca, O Enigma do Autódromo de Interlagos e outros). Eu também gostava muito do Marcos Rey. O Rapto do Garoto de Ouro, O Mistério do Cinco Estrelas e Um Cadáver Ouve Rádio tinham lugar de destaque na minha biblioteca. Assim como os clássicos O Gênio do Crime, de João Carlos Marinho, Os Meninos da Rua Paulo, de Ferenc Molnár, O Escaravelho do Diabo, de Lúcia Machado de Almeida, O Apanhador no Campo de Centeio, de JD Salinger, A Odisséia de Homero e muitos outros.

2) Como é seu processo criativo?

O meu processo criativo é caótico. Não tem regras. As vezes a ideia vem quando estou escrevendo sobre outra coisa. Pode ser no bar, durante o banho, no restaurante... Nem sempre aparece tudo de uma vez. E o texto quase nunca sai como foi pensado. Muitas vezes me empolgo em uma determinada cena, ou conflito, e mudo tudo de lugar. Claro, isso para os contos curtos.
Quando trabalho o romance, crio um roteiro e busco segui-lo. Tenho liberdade para fazer alterações, mas o ritmo de um romance é diferente do ritmo de um conto. As cenas são mais detalhadas, os personagens têm mais tempo para se desenvolver. Os conflitos são espalhados ao longo da história. Nesse caso busco ser fiel ao script. Algo que me acontece tanto no conto quanto no romance, é que, normalmente, a trama aparece antes do personagem. Penso: "E se monstros morassem em um prédio? O que aconteceria?" Só depois que decido quais os monstros serão os condôminos. Claro, existem excessões. Minha filha Nina me pediu que escrevesse uma história sobre pinguins. Do personagem nasceu Pinguina vai ao Polo Norte. Há outras vezes em que a trama e os personagens surgem por conta de uma frase ouvida por aí. Por exemplo: Alguém disse para alguém na rua que ele estava com uma cara de segunda-feira. As engrenagens na minha cabeça começam a rodar e fico pensando: Como seria a cara da Segunda- feira? E da Terça? Baseado nisso, saiu o Festa do Calendário, que lançarei agora no Salão da FNLIJ.

3) Qual a sua maior alegria como criador literário? Qual o pior momento?

Sem dúvida a maior alegria é ver a reação das crianças ao lerem a história. Um acontecimento que me deixou muito feliz foi quando cheguei em uma festa de um amigo dos meus filhos e fui parado por um menino que me olhou nos olhos e disse, com um sorriso maroto: "È chato ser gostoso!". Na hora não entendi e pensei que ele estivesse me criticando por não ter ido falar com ele assim quecheguei. Depois que fui me tocar que aquela era a frase de desfecho do meu livro O Julgamento do Chocolate. Fiquei bobo. Agora dentro da carreira tive 3 momentos que me marcaram. O primeiro, é claro, foi quando o meu primeiro livro chegou às minhas mãos. Era o sonho realizado. Eu me tornei um escritor! O segundo foi quando a diretora Patrícia Faloppa me pediu para levar o Condomínio dos Monstros para o teatro. Aquilo simbolizou não só o reconhecimento pelo trabalho por alguém de outra vertente artística, mas a possibilidade dele seguir seu caminho pelo mundo. O terceiro momento será agora, com a publicação do Trem de Histórias, a primeira antologia da AEILIJ, que eu tive o privilégio de organizar. Claro que não fiz nada sozinho, somos 37 autores envolvidos no projeto. Mas, acompanhei cada etapa do processo. Muito diferente de quando entrego o texto para a editora e depois, como mágica, ele aparece prontinho na minha mão. O pior momento é esperar pelo resultado das análises dos editores. É angustiante. Sei que não é culpa de ninguém, que o processo é mesmo demorado, mas e daí? Fico ansioso. É como se o filho estivesse pronto para nascer, mas a parteira não se decide se vai ou não vai fazer o parto.

4) Alex, nos conte sobre o “Trem de Histórias”. Como foi cada passo desse projeto?

No final de março, a Thaís Linhares, em conversa com o Tonton e o JP Veiga, na lista de discussão da AEILIJ, lembrou de um projeto de associados para uma antologia de textos sobre trens. O assunto foi ganhando adeptos, mas faltava alguém para gerenciar a coisa. Antes que aideia morresse eu me ofereci. Achei o projeto genial e sonhava em ter tudo pronto para o Salão da FNLIJ. Não seria fácil, mas vi que muitos colegas estavam animados. O tema de discussão na primeira reunião do Salão será o livro digital. Perfeito. Faltavam 2 meses para o evento e se quiséssemos publicar alguma coisa, teria de ser em e-book. Era também a oportunidade de apresentar essa mídia para vários membros da Associação. Eu já tinha contato com a editora Caki Books, por conta do livro da Pinguina, mas não conhecia a Camila direito. Falei com o JP a respeito e ele fez a ponte entre a gente. A Camila adorou a ideia e se comprometeu a ajudar no que fosse possível. Além do e-book, o livro teria impressão por demanda. Comuniquei a todos que havia uma editora de e-books interessada e a turma apoiou. Faltava o aval da Anna Claudia Ramos, afinal queríamos que a AEILIJ fosse a beneficiada com os Direitos Autorais. A Anna estava na Itália, mas assim que se inteirou da história, não só concordou como aceitou o convite para escrever a introdução do livro. A primeira coisa a se fazer era criar prazos para o recebimento dos textos (15 de abril) e das ilustrações (15 de maio), além de definir o tamanho de tudo. Em três dias (!) éramos 19 escritores e 6 ilustradores. As histórias foram chegando aos poucos. Alguns escritores, entre eles o Zé Zuca, o Tonton, e a Nilza Azzi, convidaram ilustradores. A Regina Gulla se ofereceu para ilustrar o dela. Meu maior medo era não conseguir equiparar os dois lados. Se preciso fosse, cada autor de imagem faria duas ilustrações. A Nireuda e a Regina ofereceram ilustrações extras para ajudar. No fim, saí ligando para ilustradores e convidando-os a participar do livro, afinal era a primeira antologia da Associação! Conseguimos fechar o grupo com a chegada da Anielizabeth da Europa. Próximo passo, selecionar quem ilustraria o quê. Achei que fosse haver problemas. Pensei "Ih! E se Fulano não quiser o texto de Beltrano? E se Beltrano não gostar das ilustras de Cicrano?" Mas uma vez tudo deu certo. Criei a seguinte regra: O primeiro texto entregue seria repassado ao primeiro ilustrador que se apresentou para o projeto. O segundo para o segundo e assim por diante. Enquanto os ilustradores desenvolviam suas artes, precisei definir o nome do livro, batizado pela Angela Leite de Souza, e redigir o Termo de Cessão. Pedi ajuda à amiga Henriette Effenberger, que foi presidente da ASES (Associação de Escritores de Bragança Paulista), acostumada a produzir antologias. Fiz a primeira versão do Termo e o colega Tonton me ajudou depois a chegar na forma final. Houve ainda a negociação de prazo e cláusula de não-exclusividade no direito de publicação, que a Caki aceitou numa boa.As ilustrações começaram a chegar. Aliás, a Caki ficou tão encantada com a qualidade dos trabalhos, que resolveu aumentar o tamanho do formato do livro e imprimir com capa dura. Hora de escolher a capa. Depois de conversar com a editora, o JP, a Nireuda, a Cris e a Sandra Ronca, decidimos usar uma linda xilogravura da Nireuda. Faltavam pequenos detalhes da diagramação. Sugeri que a editora usasse um trenzinho na paginação e ela gostou da ideia. Tirei todos os meus antigos trens elétricos do armário, juntei com os dos meus filhos e fotografei tudo. Editei as imagens e consegui as silhuetas dos vagões para entrarem com a numeração das páginas. Pedi para o JP me fazer uma ilustração de um trilho para preencher as páginas em branco e ele o fez na mesma hora. Restava planejar o lançamento do livro, que estará pronto para o primeiro dia do Salão. Sandra Ronca sugeriu os marcadores de livros, ou filipetas. Liguei para a FNLIJ para tentar reservar um espaço para o lançamento. Infelizmente o pedido foi negado, pois a Caki não é mantenedora da Fundação. Conversei com a Anna e resolvemos deixar o livro exposto no stand e marcadores de livros em volta. Quem quiser comprar o "Trem de Histórias" bastará acessar o site da Caki Books
(www.cakibooks.com.br)