sexta-feira, 15 de julho de 2011

Mensagem

                                     Personagem do bem

 Todos nós já passamos por experiências diferentes, engraçadas até, quando viajamos. Nos anos 90, eu costumava ir à França com meu marido que tinha um projeto de secagem de alfafa em uma pequena cidade chamada Nangis, terra por onde andaram os pés de Joanna D’arc, quando da Guerra dos Cem Anos, e fica, aproximadamente, uma hora distante de Paris.  Provins, Fontainebleau Palace, Chateau de Motte-Tilly, inúmeras opções em um raio de 50 quilômetros serviam de motivação para acompanhá-lo muitas vezes a essa pequena cidade. Enquanto ele trabalhava, eu passeava ali por perto.
Bons tempos aqueles! Eu torcia sempre por um pouco de fogo na fábrica. Como a alfafa é auto combustível, quando esquentava demais no secador, o pequeno incêndio começava e os engenheiros ficavam malucos tentando resolver o problema. Eram apenas inícios de incêndio, havia um protocolo de segurança a seguir e nunca houve nada de grave, felizmente, para eles e para mim! Os franceses precisavam secar o produto para estocá-lo e servir de alimento para os animais no inverno. Enquanto eles analisavam o problema, eu aproveitava para conhecer toda aquela região, sozinha, o que nunca foi problema para mim. Sempre adicionávamos uns dias de férias no final do período, não tínhamos filhos,então, e tudo era festa.
Durante os dias em que ele trabalhava, eu ia de trem a Paris, e voltava ao entardecer. Ou, de carro, percorria cidades medievais, estacionava e caminhava em ruas de pedras, me encantava com flores coloridas nas janelas, visitava museus e castelos, almoçava em um restaurante charmoso com uma boa taça de vinho. À noite jantávamos em cidades próximas, ou na beira do Sena. Eu não falo francês, fiz apenas um ano de curso com os alunos de Letras da USP, só aprendi o básico e, hoje, nem do básico me lembro mais. Isso nunca me impediu de me aventurar por lá, em um país onde poucos falavam inglês, há vinte anos.
Uma vez, tive dor de cabeça. Eu não consegui entender o que se passava, começou com dor de ouvido, depois no maxilar e de repente estava morrendo de dor. Problema de canal!  Falei na recepção do hotel onde estávamos hospedados e me indicaram o dentista da cidade. No dentista, eu tentei me comunicar com a secretária que não falava nada além de francês, mas viu meu rosto inchado e fez sinal que eu me sentasse ao lado de uma moça morena e aguardasse . Eu perguntei à moça : “Do you speak English?” ela fez sinal com a cabeça de não. “Kan Du godt tale dansk?” arrisquei, pois na Dinamarca tem muitos imigrantes. Nada. “Sprechen Sie Deutsch?”. Nem pensar. Eu também não falo alemão, nem espanhol, fiz também um ou dois anos quando jovem, mas com o medo que eu tenho de dentista, eu me comunicaria até em japonês. Precisava de alguém que entendesse meu pedido de socorro e segurasse a minha mão. Ou me impedisse de fugir, se necessário fosse. Ok, já desistindo: “Hablas Espanhol?”, e ela, sorrindo me disse: “Não, eu só falo português”.
Inacreditável, uma intérprete de português e francês, ali, bem ao meu lado! A portuguesa me acompanhou o tempo todo, traduziu tudo e deixou-me muito mais calma. Ofereceu seu número de telefone. Ligou depois no hotel para saber se eu estava melhor.      Coincidências da vida. Tenho muitas histórias daquela época. Algumas engraçadas, outras nem tanto. Já furou o pneu do carro em uma estrada no meio do nada, eu sozinha com dois filhos pequenos, voltando de um Akvarium na Dinamarca e quando olhei ao redor estava na porta de uma borracharia, que apesar de fechada, tinha, excepcionalmente, uma pessoa trabalhando naquele anoitecer no próprio carro... Um dia eu conto a história de quando eu desci um penhasco na Itália por quilômetros e percebi que não tinha saída e nem espaço para virar o carro e voltar...
Sempre encontrei ajuda por onde passei. A gentileza é uma benção, ainda mais assim, quando a pessoa não espera nada em troca, faz com o único objetivo de ajudar um desconhecido. Todos nós podemos fazer isso. Todos nós podemos ser um personagem na vida de alguém. Ser um facilitador, um mensageiro de gentilezas. Por um dia ou por uma vida toda.

Simone Pedersen

quinta-feira, 14 de julho de 2011

QUINTAS — 56


ESSA ALMA PEREGRINA


Tenho dormido bem tarde por causa das conversas caseiras, que insistem em varar as noites. Conversas sobre o facebook, sobre o novo site que o google está construíndo, e breve irá lançar, e segundo se diz, é mais avançado que o facebook, com novos recursos, e também conversamos sobre a blogosfera, sobre a alma do blog, sobre aquilo que o ministro disse, que o blog é a casa da pessoa, e conversamos sobre poemas, e sobre poetas, e os poetas amigos, e precisamos dormir gente!
Mas as conversas varam as noites, como varais, cordéis, rios caudalosos, correndo majestosamente, encantando as margens verdes, e falamos sobre utopias, sobre a confusão que se faz hoje com relação a essa palavra, e tem gente que põe a utopia naquilo que não é.
Claro que cresci menino ouvindo as conversas caseiras, foram elas que transbordaram a minha alma de folclore, e lendas, e crenças, que só vieram a me ajudar mais tarde, como escritor.
Agradeço profundamente aos meus pais por aquelas conversas todas, regadas de vinho e superstições e encantamentos e quebrantos e sinas e vendavais e bambuzais e o rádio, o enorme rádio cor de cerejeira, na sala.
Mas hoje cá estou em dois mundos, um, o da internet, com seu universo extraordinário, e o mundo caseiro, onde a conversa deixa o coração marejado, e os olhos sonolentos no amanhã. Sonolentos de conversas.
A alma vai num blues, vai no acordeón que o vento faz nas folhas alisadas pelo dourado alisamento do sol.
Essas conversas caseiras são sempre enriquecedoras, elas nos remetem ao mergulho da literatura. É assim que a literatura quer nascer, nas vozes entrelaçadas, nas coisas que se dizem, nos sulcos nos rostos que o dia fez.
Então, me pus a pensar: o que afinal alimenta essa alma peregrina?
Resposta: tudo. O livro que eu leio, as coisas que escrevo, e penso, as crianças ao redor, lembrando ao mundo que existe algazarra, os amigos virtuais, e as conversas caseiras.
E assim vamos indo, e cá estamos, pois somos os norteadores da impressionante história de viver. Uma jornada sempre pode começar num sorriso, vivo a dizer.
Que sejamos! A poesia, eu sei, ela não tem jeito.


MARCIANO VASQUES

Alguém me lembra de outra alegria. Quase com certeza, a Copa do Mundo de 2014 será aberta aqui, ao lado da minha casa, aqui, em Itaquera. Viu, Rita?

 Marciano Vasques


O autor e sua obra - Ariano Suassuna

Poemas Concretos Ariano Suassuna


"Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte:

o riso a cavalo e o galope do sonho

É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver."

Ariano Suassuna

Dramaturgo brasileiro, nasceu em João Pessoa em 1927. Pesquisador da cultura nordestina, poeta, crítico de arte e peças teatrais. Membro da Academia Brasileira de Letras desde 1989.

Algumas obras teatrais famosas:
Romance da pedra do reino
O santo e a porca
A pena e a lei
Auto da compadecida
Uma mulher vestida de sol
O retrato de Suassuna foi executado para matéria de capa da revista Entrelivros da Duetto Editorial
pelo ilustrador Gilberto Marchi, inspirado em Shakespeare.
Técnica: pintura digital no Painter e Photoshop numa interpretação lembrando Velasquez e Frans Hals.

domingo, 10 de julho de 2011

Novo Yahoogrupo no ar!



Amigos associados à AEILIJ,

A Regional Paulista informa que, devido a problemas de travamento em nosso grupo de discussões antigo (regionalspaeilij), colocamos no ar um novo Yahoogrupo: aeilijregionalsp.

Foram enviados convites a todos os associados, para entrarem no grupo novo - já que, oportunamente, o grupo antigo será desativado.

Se você não recebeu um convite para o grupo novo, ou se não sabe como fazer para mudar de grupo, entre em contato conosco enviando-nos seu endereço eletrônico atualizado, e adicionaremos o e-mail ao novo grupo. Lembramos que é através do grupo de discussão que muitos avisos sobre eventos, reuniões etc. são divulgados aos membros da AEILIJ!

Mesmo que não deseje receber as mensagens do grupo Aeilij Regional SP, atualize seu e-mail junto à diretoria para sempre receber notícias atualizadas de nossa associação.

AEILIJ Regional São Paulo
Rosana Rios e Nireuda Longobardi




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quinta-feira, 7 de julho de 2011

QUINTAS — 55






SOBRE A ESCRITA, AS ARTES E OS CRIADORES


O coração não tem jeito, ele continua mandando na vida. Triunfando. A consciência evoluí, essa é a minha crença. Evolui, e não tenho dúvidas sobre isso. A razão se fortalece a cada dia, a inteligência continuará neutra, mas será orientada pelo sentimento que envolve o pensamento em sua trajetória. Mesmo com todo o obscurantismo, todas as superstíções, a inveja, o ciùme, o espírito de competividade, que ainda teimam, mesmo com toda a arrogância, o espírito excludente que reina nos grupos, agremiações, associações, etc. Mesmo assim, o pensamento vai se aperfeiçoando e a consciência crescendo numa espiral.
Hoje é mais do que ontem, hoje é mais claro, a alvorada se intensifica. Os benefícios, as vitórias e as conquistas da Ciência, e a Arte vão forjando um pensamento mais equilibrado, com complexidades de luzes.
A Internet, por exemplo, é em si uma aventura extraordinária, uma das mais intensas do espírito humano neste planeta azul. Antes dela não tínhamos as interações que temos hoje. E por isso hoje, sabemos que a arte, a literatura, são um bem em si.
Isso pode ser meio duro de assimilar, mas a literatura e a arte, a música, as artes plásticas, o teatro, já se bastam, já são em si. O que isso quer dizer? Quer dizer que o tempo do ídolo está sendo superado. Não que não possa acontecer de surgir algum artista, algum escritor, que esteja, digamos assim, no mesmo nível de sua arte, em termos éticos e humanos. Porém, isso está deixando de ser prioridade. Claro que exigir que um autor, um compositor, um poeta, viva de acordo com a sua escrita ou a sua arte, é por demais exagerado, porém, sempre foi mais fácil essa transferência, e chegou-se mesmo a acreditar que um compositor, por exemplo, pudesse ser uma unanimidade, uma vida e um agir exemplares. E graças, inclusive, à Internet vemos que isso aos poucos deixa de ser importante, e que tanto os poetas, os escritores, e os compositores, podem ser demasiado humanos.
Alguém comentou: melhor jamais conhecer os bastidores. Há um mundo de sentidos nisso. De qualquer forma, a cada novo tempo vai se agudizando uma nova consciência, em tudo, e assim também nas artes. A arte, a música, a literatura, a poesia, não precisam mais se confundir com os seus criadores.
Entretanto, as biografias continuam importantes, para transmitir aos leitores a importância de se lutar por um ideal, por um sonho, a importância da persistência, etc.
Mas não se torna mais absolutamente necessário se acreditar que tal compositor, tal poeta, tal artista, deveriam, por causa do ofício, serem todos éticos, leais, sinceros, e viverem de modo que a própria vida de cada um possa ser tão rica e virtuosa como a escrita, como aquilo que se escreveu.


MARCIANO VASQUES

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Nova Diretoria da AEILIJ para 2011 - 2012


Amigos,

A AEILIJ conta, desde o dia 01 de julho de 2011, com uma nova diretoria eleita. Com a mudança da Diretoria Nacional, mudam também as coordenações regionais.

Neste biênio serão coordenadoras da Regional Paulista as associadas Nireuda Longobardi e Rosana Rios.
Porém a ideia é de que a coordenação funcione através de um Comitê, com várias pessoas se revezando para fazer desta regional uma referência na associação, diversificando trabalhos e estimulando a participação dos autores paulistas.
O Comitê já está recebendo adesões de alguns colegas, e todos que desejarem participar podem entrar em contato com Nireuda e Rosana via e-mail.

Para começar, inauguramos neste Blog a seção "AEILIJ Informa", para que nossos sócios fiquem sabendo as novidades, quais os eventos de que participaremos como grupo e as ideias que pretendemos desenvolver.

Em Agosto haverá a primeira reunião da nova Coordenação, esperamos contar com muitas presenças! A data, o local e o horário da reunião serão divulgados em breve.

Outra providência foi colocar no ar um novo Yahoogrupo de discussão dos associados paulistas, já que nossa coordenadora da gestão anterior nos informa que o grupo em uso apresenta vários problemas técnicos. O novo grupo já está no ar e para entrar nele pode-se entrar em contato com Nireuda ou Rosana, enviando seu e-mail atualizado; ou entrar pelo próprio grupo enviando uma mensagem para:
aeilijregionalsp-subscribe@yahoogrupos.com.br .
Nas próximas semanas iremos ainda enviar convites via e-mail a todos os sócios paulistas, para que entrem no grupo novo. Verifiquem se seus e-mails estão atualizados!

Conheçam os membros da nova diretoria eleita para a AEILIJ:


Presidente - Hermes Bernardi Jr.

Vice-presidente - Sandra Pina

Diretor Executivo - Dilan Camargo

Secretário Geral - Thais Linhares

Tesoureira - Laura Castilhos

Coordenação de Estética e Cultura - Alex Gomes e Marilia Pirillo

Coordenação Jurídica - Gabriel Lacerda

Conselho Consultivo:

Ana Maria Machado, Anna Claudia Ramos, Bartolomeu Campos Queiroz, Daniel Munduruku, Edson Gabriel Garcia, João Luís Ceccantini, Pedro Bandeira, Luiz Antonio Aguiar, Maurício Veneza, Rogério Andrade Barbosa, Rosa Amanda Strausz, Rui de Oliveira, Vera Teixeira Aguiar

Coordenações regionais:

RS - Christian David e Jacira Fagundes

PR - Marilza Conceição

SP - Rosana Rios e Nireuda Logobardi

RJ - Anielizabeth e Sandra Ronca

MG - Begê

PE - Antonio Nunes


sexta-feira, 1 de julho de 2011

Vice-Versa de Julho de 2011



Alô, pessoal!

O escritor Adriano Messias (AEILIJ SP) e a ilustradora Cris Eich (SIB/AEILIJ SP) participam deste Vice-Versa. Grata pela participação!
Um grande abraço a todos.
Regina Sormani



Cris Eich

PERGUNTAS DE ADRIANO MESSIAS PARA CRIS EICH:

1) Cris, eu tenho me voltado ultimamente para questões que relacionam o mundo dos textos escritos com o mundo das imagens visuais. Na verdade, indago-me se ambos os mundos são mesmo tão separados, como uma certa tradição assim o desejou. Como você percebe imagem e texto em seu trabalho? Há mesmo uma separação tão evidente?

R) Temos dois olhos, a captação do mundo ao nosso redor se dá de forma separada, mas é processada unida, do contrário, seria incompleta. Os mundos são separados? Sem dúvida, a linguagem verbal tem uma natureza diversa da linguagem visual, o que não impede que ambas sejam melhor apreciadas quando unidas. Existe o prazer estético em um bom texto, claro, como existe esse mesmo prazer ao olharmos pra uma arte. Assim, quando temos as duas experiências caminhando juntas, poderíamos dizer que estamos num outro patamar na experiência da leitura.


2) Partindo deste ponto de vista, gostaria de saber se você entende que, em relação às imagens criadas por um ilustrador, existe também a necessidade de um sujeito “educado”. Ou seja, é bem- vinda uma educação “para” e “pelo” olhar, assim como tem-se insistido em uma educação “para” e “pelo” texto escrito?

R) Diferente do código verbal (é correto dizer isso?), a experiência visual pode acontecer separadamente do total entendimento do que o objeto pretende comunicar. O mesmo acontece, por exemplo, com a música, onde não preciso ser uma profunda conhecedora de teoria musical para me deliciar com algumas peças mais complexas, digamos assim. Não são muitos os profissionais no ensino ou mesmo no mercado editorial com formação consistente em artes plásticas. Trabalhos nesse sentido têm sido feitos, mas ainda levará algum tempo, acredito eu, até que essa formação se reflita de forma consistente. O que hoje já existe são alguns livros ilustrados fazendo uso da linguagem plástica. E sem perder de vista a criança, porque, do contrário, se sofisticado demais, o livro pode tornar se uma coisa intelectual, até chata.


3) E, já que falamos de educação, aprimoramento do gosto e da sensibilidade, gostaria de saber se você acha que existam filmes, por exemplo, que podem ajudar na formação daqueles que se interessam pelas artes plásticas.

R) Artes plásticas e cinema são, para mim, experiências diferentes, não procuro uma na outra. Filmes sobre pintores, movimentos estéticos são boas fontes de informação e entretenimento, mas prefiro me fixar nas histórias bem contadas, roteiros inteligentes e bem desenvolvidos, enfim, boas narrativas. Afinal, elas são o fio de nossa atividade, narrativas verbal e visual: por exemplo, podemos falar em filmes adaptados de livros, que quando bem resolvidos, são surpreendentes justamente pela dificuldade de conciliar linguagens tão distintas como a cinematográfica e a literária .


4) Para continuar nossa prosa, eu gostaria de saber de você onde uma pessoa interessada em ilustrar livros infantojuvenis poderia buscar orientação. É grande o número de jovens que resolvem entrar no caminho da ilustração, e há aqueles que buscam especificamente o universo mais voltado para crianças e jovens. Há aquela dica especial que você gostaria de dar a eles?

R) A expressão artística em forma de ilustração, desenho, gravura, colagem pode acontecer de forma espontânea utilizando qualquer técnica, desde que haja algum domínio e muita criatividade. Mas, a formação cultural fará a diferença, nosso repertório visual depende disso e se reflete no trabalho, é fato. Mas ilustração compreende traduzir, dialogar com um texto, assim, a compreensão da narrativa como um todo é essencial para que haja uma parceria entre a sua praia e a minha, pra não ficarmos só na "decoração" de um texto e, pra isso, não existe outra receita senão trabalho, estudo, trabalho, estudo... e alguma sensibilidade, ah, como fui me esquecer dela?


Adriano Messias

PERGUNTAS DE CRIS EICH PARA ADRIANO MESSIAS:

1) Costumo ler que a literatura infantil é um ramo "menor" da narrativa; quando você produz um texto infantil pensa em usar simplificações de estilo e linguagem que facilitem esse entendimento ou confia na capacidade dos pequenos leitores?

R) Cris, as simplificações de estilo e de linguagem não se justificam se utilizadas com o intuito exclusivo de "facilitar" a leitura. Eu acredito em um texto que possa ser apreendido em camadas, como um palimpsesto, e daí cada sujeito tem condições realizar um ato interpretativo dentro de suas atribuições e possibilidades. O que não quer dizer, entretanto, que um texto simples seja um texto "simplificado". E há quem confunda isso. Um bom texto será sempre um bom texto - mesmo que não tenha construções sintáticas muito elaboradas. Hoje, no Brasil, eu vejo duas realidades: há crianças com formação educacional excelente e elas não podem ser subestimadas. São leitores "espertos", vorazes, antenados. É a geração 100% inserida no mundo da virtualidade e da hipertextualidade. É a geração que lê livros de mais de 500 páginas e tem prazer em acompanhar séries inteiras. É possível que estes leitores sejam leitores mais felizes. Porém, outra realidade diz respeito aos pequenos leitores que nem sequer têm acesso às condições mais básicas de vida, e, para eles, a leitura se torna uma atividade distante, ausente. Estou falando de milhares de crianças que estão dentro de um sistema de ensino - sobretudo fundamental -, que aprova por aprovar. Elas chegam ao ensino médio, ou mesmo superior, com sérias falhas de letramento. Infelizmente, estas pessoas não conseguem vivenciar um texto de forma mais fecunda ou, se o experimentam, ficam nas camadas mais superficiais do “palimpsesto”.


2) Mas, e do lado do texto, Adriano, existe a necessidade de escrever com o “freio-de-mão” puxado?

R) Ninguém deve escrever como se tivesse um "freio-de-mão" travado, até porque esta é uma tétrica metonímia de um funcionalismo maquinário que já quis entrar na literatura na segunda metade do século passado. Esta questão me remete também à produção em série e à indústria de massa, tão criticadas pela Escola de Frankfurt, a qual dominou a crítica das mídias até lá pelos anos 80 e, por que falei em mídia? Porque sempre entendi a literatura como parte também do universo midiático. Hoje, o que fazemos é tentar reconciliar as coisas: é possível se fazer um trabalho muito profícuo, com qualidade, e imensamente bem distribuído, o que faz os adornianos que ainda sobrevivem em seus últimos redutos torcerem o nariz, uma vez que um bom trabalho autoral pode ter uma distribuição massiva. O resultado é a abertura da leitura (e entendo aqui leitura de texto, leitura de imagem, e, consequentemente, leitura de mundo) para milhares e milhares de pessoas - não digo apenas crianças. Já se foi o tempo, portanto, de livro como artigo de elite, artigo de luxo. O que temos é um acesso à literatura como nunca visto. Porém, apesar de todos os incontáveis esforços que temos visto, sobretudo nos últimos dez anos, acredito que falta muito em termos de educação dos sentidos, da percepção, do gosto estético, do entendimento do que é realmente uma obra. Penso que isso se resolva com programas – tanto governamentais como de iniciativas privadas e mesmo individuais – que sejam consistentes, perseverantes e que visem à “educação do olhar”, à exposição de leitores aos livros – aos textos e às imagens que eles contêm. Em suma, é preciso ainda uma aproximação mais carinhosa das pessoas com o produto e o objeto livro, com os escritores e ilustradores. Ainda precisamos tornar as artes plásticas e visuais mais próximas das pessoas. Isso também é obtido colocando as pessoas para criarem. O processo de leitura de um livro é, também, um processo de criação. Por exemplo, no caso da música, mencionada por você... Veja como há crianças que só têm uma referência estética musical! E que gosto musical espera-se que as crianças desenvolvam se apenas conhecem aquilo que escutam no celular ou em casa, e se aquele tipo de música é, para elas, o único? Há sempre a necessidade de uma educação estética e sensorial para tudo. Acho ótimo que tenhamos tantos cursos gratuitos para quem quer começar a ilustrar, a escrever, a desenvolver um pensamento crítico, não é mesmo?


3) Falando em adaptações para cinema, que tal mencionarmos os fenômenos de venda como as séries Crepúsculo e Harry Potter? Ao mesmo tempo em que suas qualidades literárias sejam discutíveis, esses livros garantiram o hábito de leitura a toda uma geração que poderia ter se voltado ao mundo digital. Paradoxal, não é mesmo? Quando li o número de exemplares dos livros vendidos pelo mundo todo, juro que parei de criticar as aspirações estéticas das autoras, rsrsrs.

R) Concordo com você em relação ao que disse sobre as séries. Elas mostraram às editoras que livros com muitas páginas atraem leitores mais jovens e que histórias bem escritas podem proporcionar muito prazer na leitura. Independentemente de questões de estética, há textos instigantes, complexos. Hoje, fala-se muito em “convergência das mídias” – então, vemos essa geração novíssima abraçando livros impressos, livros digitais, utilizando redes sociais, economizando as palavras no twitter, soltando o verbo nos blogs, publicando livros independentes... Quem está se habituando a ler está lendo livros grossos, livros finos, livros mais visuais... Explora-se de tudo. Este é um momento muito bonito para a criatividade e para a produção de bens culturais.


4) E as pessoas que procuram o universo literário? Blogs, novas mídias voltaram a atrair inúmeros aspirantes a escritores, a maioria com um teclado à mão e uma ideia na cabeça.Será possível todo esse fluxo de textos convergir para um aprimoramento de estilo e conceitos ? Ou banalização da linguagem? Gostaria de acreditar que vivemos um momento lindo de democratização do conhecimento mas, sei não, às vezes me assusto com tanto conteúdo ...

R) Sim, e fica difícil entendermos o processo quando também somos parte dele. O importante é fazer um trabalho honesto e fruto do empenho e da dedicação. Cris, vou ficando por aqui, pois nossa conversa se alonga e chega uma hora em que precisamos pôr um ponto final na história, não é? Um grande abraço e muito obrigado por mais uma parceria.

CRIS EICH - Nada de ponto final, Adriano, sou a favor das vírgulas! rssrrs. Te agradeço novamente pelo convite pra trocarmos figurinhas, valeu, beijo.