sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O autor e sua obra

Leandro, O Grande Pioneiro
Por: Marco Haurélio



Leandro em xilogravura de Arievaldo Viana


O paraibano Leandro Gomes de Barros (1865- 1918) é o maior clássico da poesia popular e uma das maiores glórias da cultura brasileira. Foi poeta prolífico e, embora muitos pesquisadores exagerem na estimativa de sua obra, sabe-se que ele legou à posteridade perto de um milhar de folhetos.
A pouca familiaridade com a gramática não lhe foi empecilho para escrever obras-primas, como Os Sofrimentos de Alzira, onde lemos esta estrofe adornada por belas antíteses, que revelam o trágico destino da protagonista:
Eu ficarei sobre um túmulo,
O senhor num paraíso;
Meus olhos gotejam lagrimas
Seus lábios brotarão riso.
No mais, aceite um adeus.
Até o dia do juízo!
Em O Cachorro dos Mortos, há a descrição de um crime passional do qual um cachorro é a única testemunha. No início do romance, Leandro deixa patente o seu respeito pela tradição (“antepassados”) e recorre a um expediente que se tornaria lugar-comum entre os poetas populares: o de ilustrar o prólogo da história com um adágio que remete ao motivo central. Vejamos:
Os nossos antepassados
Eram muito prevenidos
Diziam: - Mato tem olhos
E paredes têm ouvidos,
Os crimes são descobertos,
Por mais que sejam escondidos.
A Força do Amor, que narra as desventuras do casal Alonso e Marina, começa como uma lacrimosa história de amor e termina como um conto de horror digno de um Allan Poe. A sextilha abaixo, que fecha o romance, resume o clima sinistro criado pelo genial autor:
Na tumba de Montalvão
Ninguém mais pôde chegar
Porque à meia-noite em ponto
Se ouve um eco bradar
Gemer um, suspirar outro,
Outro a sorte praguejar!
Mas o estro de Leandro foi muito além da poesia dramática. Foi também um grande sátiro, e dois folhetos seus escritos neste gênero – O Dinheiro e O Cavalo que Defecava Dinheiro – foram reaproveitados pelo mestre Ariano Suassuna no Auto da Compadecida. Por ora, citemos apenas sua grande criação, o grande burlão Cancão de Fogo, que chegou ao cordel antes de João Grilo, de quem é irmão gêmeo em peraltices. Cancão, que influenciou até Mário de Andrade na composição de seu Macunaíma, é o mais sardônico dos anti-heróis que o cordel já produziu. Na sextilha abaixo, um pouco de sua filosofia de vida:
Pai e mãe é muito bom,
Barriga cheia é melhor;
A doença é muito ruim,
Porém a morte é pior;
O poder de Deus é grande
Porém o mato é maior!
Mesmo na hora da morte, eis a resposta do endiabrado Cancão a um padre que o exorta ao arrependimento, pretextando livrá-lo dos tormentos do inferno. (É preciso atentar para o espírito crítico de Leandro que o diferencia de outros poetas do gênero, em especial a sua irreverência em relação à Igreja.)
Disse-lhe o Cancão de Fogo: - Padre, eu quero que me dê
Explicação do inferno
Lhe peço como mercê
No inferno inda haverá Um diabo como você?

Por estas e outras o grande bardo de Pombal e glória da Paraíba, na arte que abraçou, ainda hoje é insuperável.

2 comentários:

  1. Oi, Regina. Obrigado por postar meu texto que homenageia o patrono do cordel no Brasil, admirado por Drummond e Mário de Andrade e elevado à condição de mito por milhões de brasileiros.

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  2. Querido amigo,
    Agradeço sua participação que veio enriquecer nosso blog.
    Um beijo,
    Regina

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