sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Vice-Versa de fevereiro de 2012


Olá, pessoal!
Dois ilustradores participam deste Vice-Versa: Heliana Grudzien, associada da AEILIJ regional Paraná e Danilo Marques, da regional paulista.
Parabéns e muito obrigada pela bela participação.
Um abraço,

Regina Sormani




PERGUNTAS A HELIANA GRUDZIEN

Oi Heliana, depois de visitar o blog “Vento Revirado”  e revirar seus trabalhos aos quatro ventos, além de  quase pedir licença e sair do mercado, também fiquei muito curioso com algumas coisas muito legais...

Primeiro parabéns por tudo, pela sua formação, pelo seu empenho, pelo profissionalismo, capricho, criatividade e história.

1.     Heliana, conta um pouco sobre a sua infância no interior, esta expressão “infância no interior” quando chega aos meus ouvidos (no caso aos olhos, rs) causa um efeito muito maior do que a expressão apresenta; eu imagino uma criança correndo livre como a poesia “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu, quando ele conta que ia descalço, de camisa aberta correr atrás das borboletas, que era livre filho das montanhas e etc. Fico fascinado imaginando. Conta um pouco disso e a relação dessa infância e os desenhos, livros, lápis coloridos e blocos de papel que você menciona ali no blog... Aproveitando a parte biográfica, fale como foi seu inicio como ilustradora profissional.

Danilo, as palavras evocam imagens. Ilustrei-o, Gigante, belo e forte.
A sua imaginação pousou no cenário exato da minha infância. Cenário de dias felizes. De coisas simples que adquiriram para mim uma significação eterna. A minha cidade, no interior do Paraná, por si só possuía mil encantos. Tinha rio com cachoeiras e chalanas. Tinha mata, mato, matinho. Tinha montanhas e vales. Tinha gente simples. Tinha festa,  com sinos e procissões, comidas e doces tradicionais. Tinha sossego, tinha paz. Tinha meus avós, meus tios, meus primos, minhas irmãs. Tinha minha mãe italiana adornando meus cabelos, com coloridos laços de fitas.  Minha casa era uma casa polonesa, de madeira pintada de azul com janelas e  lambrequins brancos. Eu adorava ver a chuva caindo dos lambrequins. Uma bela e confortável varanda, onde trepadeiras floridas exalavam nos ares seus                                                                                                                                             perfumes, completava a sua arquitetura.  Eu sentia o maior orgulho dela. Tinha jardim, horta, pomar, cercados e galinheiro. Tinha cachorro, vaca, um veadinho chamado Bambi, galinhas com nome de gente, e um galo chamado Franjão. Tinha gato, papagaio, coelhos e cachorros, mais de um. O “mais de um” era o meu companheiro inseparável Cauby. Tinha borboletas, abelhas que faziam mel, besouros e libélulas. E para completar a minha felicidade, tinha muitos bem-te-vis e  outros  pássaros. Muitos pássaros. Pronto. Chega. Vêm lágrimas por aí...

 Agora, você pode continuar imaginando o resto da minha “infância no interior” Uma polaquinha que vivia solta como o vento. Ventando pra todo lado. Vento revirado...rsrsrs... risos...
 Meu pai, filho de imigrantes poloneses, assim como o poeta, também era Casimiro. Foi o meu maior incentivador. Com que enternecimento ele admirava os meus desenhos! Ao voltar do trabalho, não raras vezes, trazia em suas mãos generosas, coloridas caixas de lápis, blocos de desenho e livros. Eu sentava na varanda e desenhava sem parar. Os desenhos iam surgindo como num passe de mágica. Desenhava de tudo. Flores, bichos, casas, árvores, gente...  Mas os meus modelos preferidos eram os pássaros. Eles povoavam o meu imaginário infantil e despertavam em mim a vontade de flutuar, de voar sobre o meu mundo de criança, montada em suas asas.  E continuam hoje, muito presentes   em todos os meus trabalhos de arte.

Comecei a ilustrar e a escrever profissionalmente  quando retornei  ao Brasil, depois de quatro anos de estudos na Polônia.

2.     Você tem formação na faculdade de belas artes do Paraná e nas academias de Cracóvia e Varsóvia. Como é estudar no exterior? Como foi essa experiência e o que você pode passar para nós? Compartilhe conosco um pouco do que você adquiriu lá.

Depois da  Belas, onde me formei em Pintura, ainda cursei Arquitetura. Mas o vento revirou. Sofri um grave acidente de trânsito e não conclui o curso. Lá se foram cinco anos para a recuperação do corpo e da alma. Foi nesta época “agridoce” que desenvolvi algumas séries de desenhos sobre ecologia. Eram  desenhos de  grandes formatos, elaborados  a lápis de cor. Trabalhava como formiga, sem pretensão de nada. Produzia sem parar, para esquecer o trauma do acidente que havia sofrido.  Mas o vento soprou novamente a meu favor. Vendi quase tudo que produzi. Sacudi as asas, pleiteei uma bolsa de estudos e voei pra Polônia, pátria dos meus avós.

A Polônia foi para mim um divisor de águas, tanto na carreira como na vida.  Fui de um jeito, e voltei de outro, em todos os sentidos. Morei com uma família polonesa, aprendi muito sobre o idioma, cultura e  tradições.  Fiz especialização em Gravura em Metal, Cartazes Culturais, Ilustração de Livros e também frequentei o Atelier de Conservação e Restauração de Obras de Arte em Papel/Livros na Biblioteca Nacional de Varsóvia. Todavia o fascínio que exerceram sobre mim os artistas gráficos poloneses, em especial os designers de cartazes, foi indescritível. Deles eu emprestei e trouxe para o meu trabalho, o gosto pelo improviso no trato gráfico e a liberdade de expressão. Capacitei-me no uso de materiais alternativos/descartáveis/lixo na feitura dos meus trabalhos de pintura/ilustração/livros.
Atualmente ministro oficinas onde  capacito  crianças das Escolas Públicas de Curitiba e do Paraná no uso de material alternativo.

3.     Você venceu o 9º International Book Art Festival Correspondence 2012-2014 POLÓNIA, com um livro objeto, feito com materiais diversos, destacando rolhas de garrafas de vinho, usando letras do alfabeto, símbolos, signos números  e palavras pequenas. Parabéns. Nos conte do livro e dessa conquista.

Na Polônia os livros de arte fazem muito sucesso. Uma grande plêiade de artistas dedica-se a esta modalidade de arte visual e literatura. Em Lodz, uma cidade situada mais ao centro da Polônia, assim como a Escola de Cinema, ela também é famosa pela Escola de Livros de Arte. Essa  Escola, equivalente ao ensino superior, é uma verdadeira oficina/laboratório de magia. Ali são produzidos livros que encantam e instigam adultos e crianças. Para tanto os artistas fazem uso dos mais diferentes e inusitados materiais. O Festival Internacional de Livros de Arte no formato de trienal é muito concorrido. Dele participam artistas do mundo inteiro. Em todas as suas edições, o referido festival lança um tema – nesse último, o 9º Festival, do qual participo, o tema é “Correspondência”. Para minha alegria e surpresa, meu trabalho, um livro objeto, levou um dos prêmios do júri.

 A proposta do trabalho que apresentei é  de interação com o público que visita ou visitará as exposições itinerantes que acontecerão no decorrer de três anos,  em cidades polonesas e fora delas. Usei 78 rolhas de garrafas de vinho com pegadores de madeira. Nelas esculpi caracteres, como letras, números, símbolos, palavras. Coloquei-as em pequenas repartições dentro de uma caixa de madeira de formato oval, bem como, tintas e almofadas de carimbo e folhas soltas brancas de papel.  O título do livro é “Correspondências” ou WRITE ME. Ele faz  um  convite  ao público,   que utilize as folhas de papel  em branco e  carimbe mensagens para mim. O vinho é a celebração do encontro de um final que fatalmente será um “grande final” – A AMIZADE!!!

4.     Fale um pouco do seu processo de criação... o que usa, como faz para aqueles trabalhos ficarem tão ricos em efeitos... além do trabalho eclético que possui, com cada livro adquirindo uma característica, sendo ilustrados de formas diferentes e sempre muito caprichosas.

A capacitação no uso de materiais alternativos que adquiri das Escolas Polonesas de Artes Gráficas e Restauração de Obras de Arte em Papel foi fundamental para o meu processo de criação. A liberdade do improviso e a paciência são os ingredientes que  uso na realização dos meus trabalhos de arte/ilustrações e literatura.  Como eu mesma ilustro meus próprios livros, tenho muita liberdade para elaborar as imagens. Além de dominar várias técnicas artísticas, elaboro a maioria das ilustrações com pinturas. Desenho direto sobre o jornal, com tinta, a maneira gestual. Daí por diante vou limpando os excessos. Os efeitos finais são aqueles a que você se refere na sua pergunta.  Uso de tudo. Tintas diversas, pós dos mais variados, até produtos de maquiagem. Tudo muito louco... rsrsrs

Quanto aos livros que escrevo na maioria deles trabalhei primeiro as imagens e depois o texto. Gosto de trabalhar desta maneira, porque as imagens são geralmente pinturas em grandes formatos  que inspiram o texto. São ecléticos, porque cada novo livro pede uma nova metodologia diferenciada no trato gráfico, linguagem etc.

Acho,  que é por aí...///// rolo no canto/rolo no meio/rolo  no jardim inteiro/enfeito-me com as flores/ de todos os canteiros.

Muito obrigada, Danilo! Felicidades e muito sucesso, prosperidade e realização para você também!





ENTREVISTA DE HELIANA GRUDZIEN A DANILO MARQUES


 Danilo, para mim é um grande prazer e honra entrevistá-lo no VICE-VERSA.

1 – Quando você descobriu e teve a certeza de que o desenho e a literatura/ilustração infantil,  seriam a sua carreira? Como você buscou a profissionalização e como é o seu processo de criação?
Oi Heliana, obrigado por toda consideração e saiba que a honra é minha. Vi seus trabalhos e tudo o que estudou e sei que faltam milhares de quilômetros de profissão pra eu ter um pouco de história pra contar como você. Parabéns.
Descobri desde criança, mas certeza eu não tinha, pois tudo foi contra; embora sempre tenha sido incentivado a desenhar e sempre tive plateia em casa pra meus desenhos nunca foi encarado como meu futuro e sim como um hobby aos olhos dos familiares e amigos.
Com o tempo, crescendo, fui tendo que brigar por esse sonho, paguei o preço, vivi de tudo um pouco até conseguir entrar e me estabelecer. Desde adolescente decidi que essa seria minha carreira, mas, confesso que perdi dezenas de vezes a esperança, mesmo sem deixar de batalhar, muitas vezes nem eu acreditava em mim. Pois tudo ia contra.

Buscar a profissionalização? Minha escola é a rua e os colegas... Não. Não sou a favor disso, incentivo a todos que me perguntam sobre isso a estudarem, a procurarem cursos e bons professores, pois eu sei o quanto muitas vezes uma coisa que parece simples  me faz quebrar a cabeça, pois não tenho o conhecimento adquirido e tenho que recorrer aos mais experientes, que felizmente são grandes amigos e me ensinam seus truques e macetes. Mas,  o fato mesmo é que não estudei desenho, nem ilustração, meus professores foram os colegas aos longo de todos esses anos.

Meu processo de criação:  primeiro é a leitura do texto e o estudo dos personagens, em seguida, divido o texto pelo número de ilustrações do contrato e faço os esboços (ou roughs como eles gostam de chamar), e envio. Aprovados, parto para o desenho definitivo. Às vezes em lápis de cor, às vezes desenho a lápis, faço arte-final a nanquim , e a coloração e efeitos no photoshop. A maioria dos livros que ilustro sou eu que diagramo.
2 -  A caricatura, um dos segmentos das artes gráficas/visuais que você trabalha, lhe dá a oportunidade de conversar  e interagir com o público. Interessa-me saber se escrever e ilustrar para o público infanto-juvenil  também  o coloca em contato  pessoal com crianças e jovens? De que maneira?
Embora um livro com caricaturas seja ótimo, a caricatura e a ilustração são coisas separadas no meu trabalho; quando posso até coloco uma caricatura num livro, como o Mario Quintana no livro “autobiografia de Titi”, o Pelé e o Romário no livro “O milagre do anjo azul” e outros exemplos em literatura adulta e poesia, mas, como estamos tratando de LIJ, menciono apenas estes dois.
O que acontece é que faço caricaturas ao vivo em eventos, trabalhando para quatro agências de eventos e animação, caricaturo as pessoas em festas, feiras e etc. É outro mercado, bem diferente de ilustração de livros.
Mas, sim, interajo com o publico infantil e juvenil, já fui convidado por professores a visitar escolas e também participo de feiras literárias, onde, inevitávelmente, faço caricaturas de todos, risos.
3 – Atualmente,  as caricaturas são   muito elaboradas. Pode-se dizer que são verdadeiras obras de arte, com muita luz e sombras,  remetendo às pinturas realistas.  Caricaturas estas, que muitas vezes não possuem o valor artístico daquelas que são elaboradas com poucos traços. Pergunto-lhe se este excesso de elaboração se deve à facilidade de ferramentas tecnológicas que são colocadas no mercado a cada dia, nas mãos dos artistas? Ou se isto é o resultado de um processo natural evolutivo? Como as novas tecnologias na área das artes gráficas têm lhe ajudado nesse processo? O que você aconselharia e  quais as dicas que daria ao artista/caricaturista iniciante para se fazer uma boa caricatura?
Existe a caricatura para o mercado editorial/gráfico e a caricatura de eventos.
Aquela que faço num livro é bem mais elaborada que a que faço num evento; neste eu desenho com o lápis, passo um esfuminho e pronto; agora estou trabalhando com aerógrafo também. Porém, numa revista, livro ou jornal, exige uma qualidade gráfica superior, então é necessário recorrer aos novos recursos. Antigamente, era apenas o bom bico de pena, mas o papel evoluiu, o layout evoluiu, a impressão evoluiu e muito, então, o desenho precisou acompanhar isso; Exemplos como o Baptistão que faz estas caricaturas maravilhosas que você mencionou, tem sim um grande valor artístico, pois uma coisa que digo aos clientes é que o computador pode fazer muitas coisas, mas somente se tiver uma mão segurando o mouse ou a tablet. Se não deixaremos isso claro, eles vêm com aquela conversa de “ah preciso que você faça assim, assim e assim, é só jogar ali no computador rapidinho e ele faz tudo” e com isso o cliente quer pechinchar e pagar pouco... Devemos sempre deixar bem claro que o computador não pode fazer nada, ele apenas tem recursos, mas precisa do talento do ilustrador para fazer os milagres que os clientes pedem.

A dica que dou aos iniciantes é: antes de tudo desenvolva seu estilo, pare de fazer caricaturas de vetor e outras com cara de mangá, seja você mesmo, senão o cliente pode chamar qualquer um, pois você é apenas mais um que faz o que um monte de micreiros fazem: mangá e vetor. Seja caricaturista, ilustrador, artista; seja único, indispensável, seja um indivíduo ilustrador com estilo e características somente seus, mesmo que inspirado em outros, mas seja você. Depois disso, busque os recursos.
4 – A ilustração tem sido relegada à segundo plano por  estudiosos, críticos literários e muitos professores, que  encaram  a ilustração como um adorno do texto e portanto, uma arte menor. O automatismo imposto pela leitura ensinada nas escolas e, por estarmos vivendo uma época em que a leitura é feita sempre com maior rapidez, vem agravar este conceito.  O que define para você, a ilustração no espaço do livro?
De verdade, desconheço esta informação, risos. Pois, as novas tecnologias e as novas necessidades vieram e a ilustração está presente nos e-books. Os livros didáticos continuam ilustrados e as revistas eletrônicas também, mas como não sou tão bem informado assim, então, confesso que não vi essas noticias, ou pelo menos não me atingiram pessoalmente nem profissionalmente. Se dizem que a ilustração é adorno... não é de todo ruim, pois adorno causa efeito, enriquece, abrilhanta, valoriza. Texto sem ilustração é árvore de natal sem cor, sem brilho, sem luzes; é mulher sem jóias, sem maquiagem; é criança sem sorriso; é casamento sem carinho; é carteira sem dinheiro; é como a música que a Adriana Calcanhoto canta: “Avião sem asa, fogueira sem brasa, sou eu assim sem você; futebol sem bola, Piu-piu sem frajola, sou eu assim sem você” e por aí vai: “amor sem beijinho, Circo sem palhaço, Nenem sem chupeta, Romeu sem Julieta, Carro sem estrada, queijo sem goiabada”, etc, etc...

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