terça-feira, 4 de dezembro de 2012

QUEM CONTA UM CONTO

Olá!
Mais um mês se passou e mais um ano chega ao fim. Foi ótimo passá-lo com você!
E para encerrar 2012 com chave de ouro, convidamos a escritora paulista
SIMONE PEDERSEN. Ela nos trouxe uma auto-reflexão que, de forma delicada, traduz o espírito natalino.
Curtam, pois

UM ENCONTRO DO DESTINO
Ontem, eu estava em Araraquara a caminho de uma escola. Havia me hospedado em um confortável hotel do outro lado da cidade e pelo mapa parecia um caminho bem simples.
E era. Para quem lá vive. São tantas rotatórias, e eu, que nunca me perco, parei para pedir informações 28 vezes. Na última, já nas redondezas segundo meus cálculos infalíveis, interpelei um homem que passava calmamente na calçada. Eu havia sido muito bem tratada até então, com sorrisos e pequenas reuniões sobre qual seria o melhor caminho para uma paulista com cara de perdida. O que eu não esperava era que se esse homem dissesse que ia para aqueles lados exatamente, e se eu quisesse, ele iria comigo para mostrar o caminho que era um tanto complicado, apesar de estarmos perto do local.
Em um segundo eu me lembrei de todos os conselhos de menina: “nunca pegue carona de estranhos”, pensei nos filmes de terror, seriados e serial killers da vida. Respondi seca que eu não costumo dar carona para estranhos. E foi nesse momento que meu mundo desmoronou. A minha voz soou tão seca que me fez tremer, como se tivesse rachado o coração ao meio. Até tive tempo de me perguntar quem eu era, quando ele se debruçou na porta colocando parte da cabeça dentro do carro, tirou o boné e me disse:
- Eu tenho 86 anos, sou pai de três e avô de cinco, a senhora não precisa ter receio algum de mim. Em sou um homem de bem.
Realmente, como eu poderia desconfiar de alguém que eu escolhi aleatoriamente? Um senhor de tanta idade. Talvez pelo leve cheiro de cachaça. De qualquer forma, eu me senti diminuir até virar algo invisível aos meus olhos. Envergonhada, pedi que entrasse culpando os dias de hoje e a violência pela minha falta de educação e humanidade. Ele entrou e continuou a me ensinar que eu realmente havia sido uma árvore seca de galhos afiados:
- A senhora não repare nas minhas roupas, é que eu estava trabalhando em casa e sai de qualquer jeito.
Foi então que reparei as calças costuradas no meio da perna, de forma caseira, tentando remendar o que há tempos eu e outros haveríamos jogado fora. Se me sentia invisível, comecei a sentir certa tontura. Acho que era vergonha, vergonha de mim, que justamente nesse dia estava um tanto arrumada. Ele falou em trabalhar com aquela idade. Tive medo de perguntar o que ele fazia.
- O senhor não viu como eu fico em casa, respondi tentando remendar o nosso encontro, que como a calça dele já não tinha mais conserto.
Ele me ensinou todo o percurso, com todas as rotatórias e possibilidades para alguém que eu havia pré-julgado estar embriagado.
Na porta da escola, me mostrou a entrada principal, falou um pouco sobre a fábrica de suco de laranja na frente e se despediu. Eu disse que poderia levá-lo até a casa do amigo, mas ele declinou. Disse-me que preferia chegar a pé, que um carro com placa de uma cidade tão distante chamaria muito a atenção.
Quando chegou à esquina, ele se virou e acenou para mim com um sorriso largo e o boné na mão direita. E eu fiquei sentada no carro, o observando diminuir a passos largos, assim como eu mesma diminui a cada palavra dele.
Ainda hoje continuo pequena. E essa crônica não é história de escritora. É a história de uma pessoa que não enxerga mais a bondade humana, mesmo quando ela se apresenta vestida de bom velhinho. Shame on me.

Nenhum comentário:

Postar um comentário