segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Trocas Malucas

          Por César Obeid                              

É interessante escrever um artigo sem o calor do momento. Chegamos em 2012. Os gritos de “Feliz Ano Novo”, os fogos brilhantes rasgando o ar, as retrospectivas tanto exploradas pelos canais de tevê, aquele parente distante que veio passar as festas conosco, já se foi. Que alívio! Estamos em 2012.  
        Gostaria de falar sobre a globalização ou qualquer nome que se dê para esse fenômeno incrível que diminuiu as distâncias entre os povos e suas culturas. Em uma breve busca em sites que vendem passagens aéreas, constata-se que custa menos ir à Buenos Aires do que para Manaus. Hoje, com o básico domínio do inglês, é possível se comunicar com pessoas da China, da Índia, da Síria e, praticamente, de qualquer parte do mundo.
        Com a padronização dos usos e costumes, pouco nos resta além da nossa história e da nossa cultura.  
Entre os livros que figuraram na lista dos mais vendidos no ano de 2011, na categoria não ficção, muitos são de história; 1808 e 1822, do escritor Laurentino Gomes, por exemplo. Estamos com desejo e necessidade de voltar às nossas raízes e saber um pouco mais do nosso passado, ao que tudo indica, será a busca pela nossa história que nos aliviará nesse processo de mundo diminuto. Mas, e a cultura?
        Outro dia, visitando uma conceituada escola de São Paulo, andando pelos corredores, ao lado de uma simpática professora, encontrei belos cartazes com os mitos do nosso folclore. Lá estavam a Iara, com seus lindos e encantadores cabelos, o Curupira, muito bem desenhado com seus pés virados para trás, e todos eles; Boitatá, Mula sem Cabeça etc, etc. Mas, cadê o Saci, o nosso mais famoso mito? Perguntei para a professora- ele não estava presente nos cartazes. Pensei que seria alguma travessura do negrinho que aprontou mais uma e saiu em algum rodamoinho por aí.  
        - Não, na verdade, não mostramos o Saci para as nossas crianças, pois não podemos mostrar um afrodescendente com deficiência física.         
        Sei que muitos leitores concordam com a boa intenção da nossa educadora, afinal para que serve uma instituição de ensino, senão  para dar igualdade a todos?
        Por outro lado, muitos leitores como eu, não querem ver a nossa cultura, a nossa história, a nossa tradição indo por água abaixo, ou melhor, por cartaz abaixo.
Quero deixar claro que não sou a favor de toda e qualquer tradição. Muitas manifestações das culturas tradicionais são cruéis, como a Farra do Boi ou as Festas de Vaquejada e deveriam ser extintas de vez da nossa sociedade, proibidas por lei.
Por outro lado, muitas instituições de ensino parecem não enxergar o que nos cerca, dentro e fora do universo escolar, e voltam sua atenção somente aos contos de fadas e às músicas tradicionais, impondo uma série de diretrizes politicamente corretas. Também deixo claro que não sou contra esse movimento mundial que busca a paz e a aceitação entre os diferentes. Mas, tudo isso, sem a ligação com o mundo real, torna-se fraco, incapaz e não faz muito sentido.
Gostaria que lessem uma hipotética carta de uma escola bem intencionada endereçada aos pais.
Senhores pais, tendo em vista a nossa vontade em educar de acordo com o interesse da sociedade atual, segue a planilha das novas regras da nossa escola.
- Todo aluno pode tomar refrigerante à vontade, inclusive terá lugar de destaque na cantina. As frituras, embutidos, enlatados e salgadinhos de saquinho também são liberados. Não se preocupem que adotaremos livros que tratem da alimentação saudável.
- Os alunos devem utilizar copinhos descartáveis. Alguns pais disseram que o copo não descartável não é higiênico. Claro que também faremos um belo trabalho com o meio ambiente, no mês de junho.   
- As meninas podem usar salto alto. Vamos aproveitar, pois o Brasil é um dos poucos países que permitem sua venda para as crianças. Ah, se as suas filhas não conseguirem correr e brincar, não faz mal, o que importa é que elas estarão muito elegantes.
- Na nossa escola, as crianças não podem cantar a música do cravo que brigou com a rosa porque é muito violenta, mas no intervalo entre as aulas, nós permitiremos que brinquem com seus jogos eletrônicos à vontade.
- Outra canção proibida é “Atirei o pau no gato”, não queremos de maneira alguma estimular a violência entre nossa turma. Mas, prometemos tocar na nossa festa junina beneficente as músicas dos cantores que fazem apologia ao rodeio, sem citar a crueldade que fazem com os animais.

Enfim, são alguns exemplos de uma lista muito mais extensa. Será que essa troca que fazemos está valendo a pena? O que podemos fazer para educar de verdade, sem maquiar a realidade?
        Estamos em 2012, o que vamos fazer? 


César Obeid é escritor, educador e contador de histórias, associado da regional paulista da AEILIJ.

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