segunda-feira, 2 de abril de 2012

Canto & Encanto da Poesia- Vinicius de Moraes





A Arca de Noé



Sete em cores, de repente
O arco-íris se desata
Na água límpida e contente
Do ribeirinho da mata


O sol, ao véu transparente
Da chuva de ouro e de prata
Resplandece resplendente
No céu, no chão, na cascata


E abre-se a porta da arca
Lentamente surgem francas
A alegria e as barbas brancas
Do prudente patriarca


Vendo ao longe aquela serra
E as planícies tão verdinhas
Diz Noé: que boa terra
Pra plantar as minhas vinhas


Ora vai, na porta aberta
De repente, vacilante
Surge lenta, longa e incerta
Uma tromba de elefante


E de dentro de um buraco
De uma janela aparece
Uma cara de macaco
Que espia e desaparece


"Os bosques são todos meus!"
Ruge soberbo o leão
"Também sou filho de Deus!"
Um protesta, e o tigre - "Não"


A arca desconjuntada
Parece que vai ruir
Entre os pulos da bicharada
Toda querendo sair


Afinal com muito custo
Indo em fila, aos casais
Uns com raiva, outros com susto
Vão saindo os animais


Os maiores vêm à frente
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás, como na vida


Longe o arco-íris se esvai
E desde que houve essa história
Quando o véu da noite cai
Erguem-se os astros em glória


Enchem o céu de seus caprichos
Em meio à noite calada
Ouve-se a fala dos bichos
Na terra repovoada

Vinicius de Moraes 
Poemas Infantis - Companhia das Letras - 2003 - RJ

Nenhum comentário:

Postar um comentário