terça-feira, 2 de agosto de 2011

QUEM CONTA UM CONTO

Olá!

Quem Conta um Conto é um canto do blog da AEI-LIJ Paulista onde você pode parar para tomar um cafezinho, saboreando uma história, uma crônica, um "causo" engraçado, uma poesia e outras coisas interessantes com as quais os associados nos brindam.



Hoje, para você, uma crônica incrível da associada paulista, escritora Alina Perlman.




BASTIDORES DA FLIP


No auditório quase lotado, um clima de expectativa. A possibilidade de uma palestra interessante, ou, no mínimo, polêmica com algum gênio da literatura, anima o público.

A loira, instalada na quarta fila, guarda três lugares para amigas atrasadas. Coloca uma bolsa, um casaco, papéis diversos sobre as cadeiras vazias. Alguém se exalta e a loira recolhe os papéis, cedendo um dos lugares. Procura, aflita, pelas amigas que não chegam. Faz uma ligação pelo celular, gesticula, recolhe o casaco. Faz nova ligação e eis que chega uma das amigas, esbaforida e se senta sobre a bolsa. Parece não se importar com a pequena comoção que causa e
se desculpa com a loira que, procurando salvar o conteúdo da bolsa, dá um leve safanão na retardatária.

O poeta chega carregado de sacolas e se acomoda na terceira fila. Atrás dele, vem uma senhorinha, acompanhada de uma moça. A senhorinha se senta ao seu lado.Não possui nenhum tipo de crachá, daqueles que dão direito às primeiras filas. Nenhum dos jovens que trabalham no evento tem coragem de pedir para que ela mude de lugar. A moça que a acompanha faz cara de paisagem, e nem se move do seu lugar, ao lado da senhorinha, na fila reservada. O poeta mexe e remexe nas sacolas e tira de dentro de uma delas uma garrafinha plástica. Oferece a garrafinha, gentilmente, para a vizinha de cadeira. A senhorinha, sorrindo, aceita, abre a garrafa e toma um gole do seu conteúdo. O poeta e a moça gritam "não" ao mesmo tempo. A moça tira rapidamente a garrafa da mão da senhorinha, tampa-a e a devolve, sem graça, ao poeta. Ele ri, abre novamente a garrafinha e despeja um pouco do líquido, meio viscoso, numa das mãos. Esfrega as mãos com gosto, espalhando o líquido. Passa mais um pouco no pescoço e no rosto, tampa a garrafa plástica, guarda-a e se prepara para a palestra, ajeitando-se confortavelmente na cadeira pouco confortável.

O ar condicionado é ligado mais forte. A atriz, a regata curtinha e decotada insuficientes para aquele ambiente que bem depressa começa a esfriar, se mexe na cadeira e se arrepia.

O rapaz de camiseta vermelha pergunta a alguém, sentado cinco filas mais atrás, em que língua o esctritor vai falar. Pergunta muitas vezes, brada o nome da pessoa a quem ele se dirige e finalmente recebe dele uma resposta vaga, acompanhada de um gesto mais vago ainda. Na dúvida, o rapaz de camiseta vermelha resolve preparar o fone de ouvido, pendurado em sua cadeira, para o caso de necessidade.

Duas garotas comentam os banheiros. Insuficientes. Químicos. Pouco limpos. Malcheirosos. Desprovidos de papel higiênico. E continuam comentando, mesmo após a entrada do escritor no palco. Recebem do senhor de óculos, sentado bem em frente de uma delas e que se vira para trás, um olhar de reprovação.

A poucos minutos da palestra, a agitação vai diminuindo.

Os fotógrafos, agachados em frente ao palco, entram em ação. Várias pessoas do público, empolgadas, também fotografam. O escritor tenta se acertar com o microfone. Não consegue, pede ajuda. Fica satisfeito e encara o público.

O mediador começa a apresentar o convidado. Muitos elogios, muitas palmas.

As perguntas começam, o escritor se apresenta, como pode, como sabe. Ele não é obrigado a ser um show man. Ele não é obrigado a falar bem, a ser engraçado, brilhante em todas as frases. Mas é o que se espera dele. Ele foi convidado porque escreve bem. E isso deveria ser o suficiente. Mas não para todos.

Se a palestra é ótima, fica todo mundo contente. Principalmente o espectador, o leitor. Se não é, deixa um gosto amargo na boca de muitos dos que brigaram na fila. Brigaram por um bom lugar na platéia, brigaram por uma entrada no auditório. E a culpa pode ser da arrogância do escritor, da timidez do escritor, do mediador, do tradutor, da escritora que participa da mesma mesa, mas não tem carisma.

Enfim... Boa ou não, a apresentação gera discussão. E a discussão é sempre boa. E a curiosidade para comprar um livro daquele que você viu tão de perto, que te contou algum segredo, que te envolveu em alguma trama, que foi entrevistado pela revista favorita, que foi elogiado nos jornais, que se veste como um lorde, que dançou no bar da esquina, que brigou com a mulher, que se deixou fotografar com você, é sempre grande. Mesmo que você tenha se decepcionado.

Como diria Gonzaguinha... A platéia só deseja ser feliz!

Um comentário:

  1. Deliciosa crônica, Alina! Já passei por isso, a plateia é sempre uma diversão à parte... e a FLIP é tudo de bom.

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