sexta-feira, 5 de agosto de 2011

QUINTAS — 59





O VALE-NIGHT



Uma novidade me fez pensar no espírito da época.
Ao tomar conhecimento de que os jovens aqui da periferia da minha cidade inventaram uma coisa chamada Vale-Night, pude me dar conta de como ando defasado, de como me tornei uma pessoa antiga, daquelas que ainda têm o peito sujo de bolero, seja o de Ravel, ou daqueles de se ouvir e almejar estar sob uma luz lilás a dançar com uma mulher.
Bem, claro que a minha formação traz algumas canções fundamentais, como Amanda, de Taiguara, e Amada Amante, da dupla, e então isso é requisito para o meu espanto.
Difícil para eu aceitar o Vale-Night, e temo quando chegar ao Fantástico, aí a coisa se alastrará como um novo estilo, uma nova onda, uma moda da juventude, pelo Brasil inteiro.
O que é o Vale-Night?
Resumidamente é o seguinte: o rapaz sai com a sua namorada. Vai com ela ao baile, por exemplo, e então, nessa noite, ele dá para ela um Vale-Night. Com o Vale, ela pode escolher o cara que quiser, e ficar com ele, com a sua escolha, noite afora.
A “namorada” também dá o Vale-Night para o menino, e assim ele pode ficar com a mina que quiser, durante a noite inteira, até que o sol retorne.
Só não se pode esquecer de que o Vale só tem validade por uma noite.
É incrível o orgulho na face quando o moço diz que deu o Vale-Night para a garota dele. É algo meio incompreensível para mim, mesmo se tal coisa acontecer numa sexta-feira, considerando-se que na sexta-feira ninguém é de ninguém.
Vou demorar um tempo para assimilar esse tal Vale-Night, mas creio que ele está inserido num contexto que simboliza não apenas um desmanche cultural, mas modifica totalmente o conceito de namorar, e outros tantos, assim como a personalidade, a alma, diante dos açoites causados por um mundo desprovido de poesia, assim como pela confusão desenhada por uma fascinante tecnologia , com suas redes sociais, a internet e tudo o mais.
Não resta dúvida de que estamos vivenciando e até participando dessas bruscas alterações de conceitos, como o conceito de amigo, agora quantificado. A ideia de que o virtual aproxima mais as pessoas, pois não corremos o risco do encontro ao vivo, e no conforto da tela tudo fica mais fácil e cômodo, tudo fica nos trinques.
É o desmanche da cultura? Talvez seja precipitado afirmar isso, dessa maneira. É, entretanto, a mudança dos conceitos, isso sim, alguns outrora tão profundamente fincados na alma da cidadania do mundo. Veja só: o namoro que já era namoro, que tornou-se o “ficar” e que agora conta com o Vale-Night, alterando substancialmente conceitos como fidelidade, e reduzindo os atritos por ciúmes, e assim por diante. Talvez os namorados percam, ou melhor, perdiam muito tempo com ciúmes e sentimentos estreitos, de posse, etc, e agora fica tudo resolvido e a paz reina nos corações, afinal temos o Vale-Night.
O planeta cumpre o ritual da sua translação, tudo passa, tudo se movimenta. Tudo é ciclo, tudo é retorno, e que o tempo na valsa da ventania possa trazer pelo menos gotas de reflexão, mesmo que já estejam secas ao atingirem o solo.
Enquanto isso, eu assisto perplexo ao espírito da época organizando um novo pensamento, um novo fluxo no relacionamento amoroso, se podemos assim chamar tais envolvimentos, ao qual resistirei durante um bom tempo, afinal, se tem luar, a noite é para se estar com o ser amado, penso.
Digo de antemão: Rasgo qualquer possibilidade de um Vale-Night, qualquer rodízio, afinal sou alguém de bolero, por assim dizer.
Um detalhe: não sou moralista, nem saudosista, sou sim conservador, no sentido de conservar, preservar o que é bom. E não entendo como evolução toda mudança. E às vezes, o que parece progresso, é decadência.
E é sempre bom lembrar que a maioria de todas essas invenções surgiu na mente masculina, se me faço entender.

MARCIANO VASQUES


Marciano Vasques é autor de Literatura Infantil


Um comentário:

  1. Amigo,
    Confesso, abertamente, que até hoje,não sabia o que era o tal vale night. Agora que sei, posso dizer que achei preocupante. Seres humanos se comportando como se fossem mercadoria de troca...Só posso lamentar essa atitude e observar que, infelizmente, muitos dos nossos jovens estão cada vez mais desorientados.
    Que pena....
    Um bj,
    Regina Sormani

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